Autora: Tomi Adeyemi
Páginas: 548
Zélie Adebola se lembra de quando o solo de Orïsha vibrava com a magia. Queimadores geravam chamas. Mareadores formavam ondas, e a mãe de Zélie, ceifadora, invocava almas. Mas tudo mudou quando a magia desapareceu. Por ordens de um rei cruel, os maji viraram alvo e foram mortos, deixando Zélie sem a mãe e as pessoas sem esperança. Agora Zélie tem uma chance de trazer a magia de volta e atacar a monarquia. Com a ajuda de uma princesa fugitiva, Zélie deve despistar e se livrar do príncipe que está determinado a erradicar a magia de uma vez por todas. O perigo espreita em Orïsha, onde leopanários-das-neves rondam e espíritos vingativos aguardam nas águas. Apesar disso, a maior ameaça de Zélie pode ser ela mesma, enquanto se esforça para controlar seus poderes - e seu coração.Filhos de sangue e osso é o primeiro livro da trilogia de fantasia baseada na cultura iorubá O legado de Orïsha e está sendo adaptado para o cinema.
"Eles mataram minha mãe. Eles mataram nossa magia. Eles tentaram nos enterrar. Agora, nós ressurgimos!"
Filhos de Sangue e osso é uma fantasia com um universo fictício e personagens negros. Aqui você irá conhecer o reino de Orisha e personagens de diversos clãs e os poderes de cada um deles, chamados Maji. Orisha é uma sociedade dividida entre divinais e não divinais. Separados por raça com uma população marginalizada pela monarquia e uma narrativa que nos proporciona uma crítica ao racismo estrutural, individual, divisão de classes e sexualização da mulher negra, tudo isso perpetuado de geração em geração.
O livro é cheio de termos e expressões mágicas, é contado pela visão de Zélie, Amari e Inan alternando a narrativa entre eles, e assim, acompanhamos de perto a evolução de cada um e a relação entre eles, pois Amari e Inan são da realeza, e isso gera alguns conflitos entre os três. Os três juntos irão trilhar um caminho em busca de uma Orisha justiça e igual para todos. Filhos de sangue e osso é apenas o primeiro livro de uma trilogia baseado na cultura Iorubá.
Os Maji são renegados, maltratados e proibidos de usarem seus poderes, a história é voltada para que eles consigam,de alguma forma, reverter essa situação e deixarem de ser dominados pela monarquia e poderem usufruir de seus poderes, direitos e liberdade que foram retirados compulsoriamente há muito tempo. Poderes que podem ser usados para o bem e mal, o que mostra o antagonismo diante deles e despertando a euforia e o medo que o retorno desses poderes pode trazer ao reino de Orisha e até mesmo para aqueles que detém o poder.
" Nossa falta de poder e nossa opressão são a mesma coisa, Inan. Sem poder, somos vermes. Sem poder, a monarquia nos trata como escória".
O povo Maji vive em uma segregação, violência, medo e desespero para ter o melhor possível dentro de um mundo em que as pessoas se acham melhores que outras pela cor da pele, cor do cabelo, pelo poder aquisitivo, e o que mais assusta é o fato de nos lembrar muito bem o nosso presente.
Zelíe, seu irmão, Tzain juntamente com Amari e Inan irão em poucos dias conhecer e viver muitas emoções, descobertas, conflitos e aprendizados enquanto lutam por e para uma Orisha melhor. Não posso dizer que eles partilham da mesma perspectivas, mas cada um a sua maneira irá lutar até conseguir atingir o objetivo: Orisha e seu povo livre.
Estou aqui nesse momento pensando em como expressar minha opinião sobre esse livro, porque a leitura foi maravilhosa em todos os níveis possíveis. Fui sem expectativas, não conhecia muito da história, a não ser que se tratava de uma fantasia e com personagens negros. Vou começar a falar dele pela capa, que foi o que me conquistou antes mesmo da história. Você entende a imagem presente nela quando ler o livro e ao olhá-la você percebe que tem força, história e luta. O livro tem como base a religião e cultura africanas como o Orixá, Oxossi, Xangô, apresentando-nos um enredo com temas reais e atuais retratando de forma divina o racismo, o preconceito, o medo e a esperança.
É um livro que te traz revolta, tristeza e que te leva as lágrimas e mesmo diante de tantos obstáculos também traz esperança de dias melhores para os negros. Os personagens não são perfeitos, são reais e cheio de defeitos, porém querem lutar pelo seu lugar de direito, por seu espaço e por seu povo há muito tempo maltratado pela realeza e os seus mandos e desmandos, tirania, censura e ditadura. Personagens que se encontram com objetivos diferentes e que no meio do caminho buscam uma forma de conviverem em paz, respeitando as diferenças entre os povos e crenças, acreditando que é possível lutar pelo pelo bem do povo e do reino.
Esse livro não é somente uma fantasia, mas uma fantasia que traz reflexões intensas nos seus personagens e principalmente em seus leitores. Tomi trouxe para livro discussões seríssimas sobre racismo, perda, luta, medo, tristeza, violência, discriminação racial e social e opressão, tudo isso te lembra algo? Sei que sim, afinal vemos isso diariamente acontecendo bem perto. E esse foi o objetivo da autora, colocar o dedo na ferida de muitos de nós através da leitura, nos mostrar a responsabilidade da sociedade diante de tantas atrocidades, trazer por meio dos livros, o quanto os negros são negligenciados, violados, maltratados pelo próximo e pela sociedade.
A a autora falou através da magia criando um mundo em que existem somente os negros e até mesmo nesse mundo o preconceito é real, julgados e condenados por suas crenças e pelo modo de vida. Por ser uma fantasia, os personagens detém poderes, uma magia há muito tempo escassa, proibida e perdida. Foi por meio da magia, que Tomi quis proporcionar ao negro uma vida justa, como meio de fazer o negro se encontrar e se reconectar com seu povo em busca de valorização e espaço e ter força para lutar, um modo de fugir da realidade atual, que não existe poderes mágicos, único poder que se tem é a fala, o diálogo, e uma esperança de que tudo mude." Não vou deixar sua ignorância silencia minha dor"
Os personagens se unem em uma busca difícil, dolorosa incrementada por muita violência, desrespeito e pobreza. O Iorubá, língua nigero-congolesa considerada patrimônio cultural imaterial do Rio de Janeiro, foi muito bem explorado e trabalhado no livro, ela procurou ser fiel a cultura africana e a meu ver ela conseguiu fazer isso muito bem, em aspectos linguísticos, culturais, raciais e religiosos.
Filhos de sangue e osso é um livro intenso, o começo dele é mais devagar, porém no desenrolar das páginas a leitura vai ficando cada vez mais rápida, cheia de acontecimentos e reviravoltas. Eu gostei apesar de possuir muitas informações, o excesso de acontecimentos pode confundir os leitores, mas o que o importa é a mensagem que a autora quer passar para seus leitores de luta, de garra, esperança, resistência, reparação e sobrevivência, transformações de atitudes e pensamentos, e de anos de uma vida sofrida, discriminada e violada. É um livro que traz uma crítica social sobre racismo e desigualdade social, sobre o descaso com a luta negra e principalmente com a mulheres, elas sempre sofrem mais em qualquer tempo e época. Uma sociedade dividida entre a monarquia passiva e opressora, e um povo reprimido e renegado, obrigados a esquecerem a própria língua e cultura, dominados pela intolerância.
"Disse a mim mesma que, se ao menos uma pessoa pudesse lê-lo e mudasse seu coração ou opinião, então eu teria feito algo de significativo contra um problema que com frequência parece muito maior que eu."
Um livro que te conquista pela história, universo, cultura, personagens e escrita. Nos proporciona várias sensações, mas por outro lado você irá encontrar muito amor pela família, e esperança, filhos de sangue e osso irá te fazer pensar mais sobre o assunto, o racismo estruturado e escancarado, sobre a injustiça, falta de empatia e o quão importante é a luta para os negros, uma luta que vem de anos e anos e está longe de acabar. 85 capítulos divididos entre Maji e realeza, de pura intensidades e capítulos curtos que faz a leitura fluir sem sentir. Não se assuste com a quantidade de capítulos, quanto mais você ler mais vai querer continuar.
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