Resenha - Honra Pirata

24 maio 2021

O que você faria se seu pai a culpasse por uma fatalidade pela qual você nem fazia ideia de que seria responsável? Aliás, como seria responsabilizada se era apenas um bebê? 


Marina sofreu a vida inteira com essa culpa nas costas, já que, durante o parto de sua mãe, descobriram haver um segundo bebê. Por causa disso, sua mãe acabou não aguentando a sequência do parto e morreu ao dar à luz a Marina. Desde então, o pai dela se tornou obcecado por tentar criar algum dispositivo que o fizesse voltar ao passado e salvar sua mulher, o amor de sua vida. O grande problema é que Marina é sua cobaia, justamente por ele odiar a menina.

Ela cresceu presa em um quarto, onde recebia visitas apenas de sua irmã gêmea Mônica, que levava uma vida um tanto quanto normal e não era objeto da raiva do pai como a outra. Entre os experimentos, as duas conversam escondidas e Marina lê o máximo de livros que a irmã consegue alcançar para ela à noite, pois essa é sua única forma de escape, até então.

Em uma das experiências e sessões de tortura com a pobre menina, que já é frágil por ser aliementada apenas o suficiente para sobreviver, algo dá errado. Quando ela acorda, percebe estar em um ambiente completamente diferente, uma cela. O que ela não esperava era que conseguiu viajar no tempo, mas acabou parando dentro de um dos navios pirata mais temidos: o do Barba Negra, muitos anos atrás.

"Melhor um pai psicopata do que pai nenhum. Marina tentava se convencer disso enquanto ele injetava mais uma droga em seu braço. A raiva crescia no peito e se acumulava a cada experiência. Aos treze anos, ela sabia que não era diferente dos ratos de laboratório, era só mais uma cobaia."



[- Minhas Impressões -]

Nessa história narrada em terceira pessoa, com poucos trechos em primeira, somos apresentados rapidamente a Marina e sua irmã, assim como ao contexto de vivência das duas com o pai totalmente alienado. 

Os capítulos são curtos e o livro me prendeu desde a primeira linha, foi uma grande surpresa, já que pela capa eu esperava um livro mais juvenil, mas ele aborda diversos assuntos, alguns pesados, e consegue ser uma trama muito interessante para todas as idades, principalmente para os amantes de piratas, claro!

Achei uma história bem incomum, que gera curiosidade pelo fato da viagem do tempo e para saber como Marina irá lidar com tudo, já que ela não sabe muito bem onde está e como foi parar ali, além de não saber o que aconteceu com a irmã. Junto com ela, então, vamos descobrindo todas as peculiaridades do local onde ela acabou parando.

Gostei demais da ambientação, embora não tenha muitas descrições. Foi possível visualizar todas as cenas facilmente, como se fosse um filme, e entrar nessa vida de pirata. Foi muito legal como, ao longo do livro, várias suposições sobre essa época começaram a ser quebradas e outras informações foram adicionadas, criando um repertório cultural sobre o período onde Marina se encontra, mencionando locais, tipos de navios, diplomacias, como as burocracias eram feitas e, principalmente, como é viver em um navio, ainda mais pirata, que constantemente está entrando em brigas e saqueando locais.

Marina é uma personagem muito forte, porque desde nova ela passou por situações muito ruins e aprendeu a sobreviver com pouco, por isso não chegou a ser difícil se adaptar ao novo ambiente, uma vez que a capitã - sim, uma mulher - a acolheu logo de início à bordo.

Mesmo sendo jovem, a maturidade dela é muito grande e não pensa duas vezes em se envolver nas situações e querer aprender e ajudar a todos. Ao mesmo tempo que ela não pode falar que veio do futuro, tenta implementar coisas da época dela para ajudar os piratas, que nem entendem o que acontece, mas já que isso gera lucros, apenas apoiam ela e acabam por se afeiçoar ainda mais a menina. Esse foi um ponto que gostei bastante, a dualidade do futuro e do passado onde ela está.




Um dos outros motivos para ela se adaptar tão rápido é o fato da liberdade. Ela nunca experimentou nada do que está experimentando ali. A luz do sol, o vento, o mar, amigos... Tudo é novo e ela não quer perder nenhum momento. Com isso, também veio um triângulo amoroso, claro, que causou muitos dilemas na cabeça da jovem, porque ela não deveria pensar em se envolver com alguém, somente em ajudar a capitã.

Inaiê é um Índio Tupi, que estava preso na mesma cela que ela, e com quem Marina tem mais contato. Com ele, ela consegue se abrir e compartilham do mesmo sentimento de saudade da sua terra, o Brasil. Eu me afeiçoei muito a esse personagem desde o primeiro momento, ele me chamou atenção e gostei muito de como ele era engraçado, peculiar, sarcástico e também pelo amor que nutria por Marina, que o tirou da cela e o fez parte da tripulação.

Por outro lado, temos Mateo, o jovem que sonha em catequisar as pessoas e não quer seguir o rumo da mãe, a temida Sereia Negra, a capitã do navio. Ele possui outros planos e é sempre muito recatado e tímido, mas não consegue esconder o interesse por Marina. Dele, preciso admitir, não gostei muito. Ele não é uma má pessoa, mas é muito "sem sal" e demora muito para tomar atitudes, que sempre partem de Marina, enquanto Inaiê nunca perde tempo e se joga em qualquer situação.

Inclusive, dei muitas risadas com esses dois juntos, porque um não suporta o outro, mas precisam conviver e se ajudar, além de Marina ser amiga dos dois e precisar de ambos.

Além disso, é interessante a questão do vínculo entre ela e o Tupi, já que ambos são opostos: Inaiê se sente preso, porque foi obrigado a deixar sua terra e identidade, enquanto Marina está aliviada por ser livre. Gostei de ter sido mostrado esse lado nada fácil de perseguição, em que um Índio seria escravo em qualquer lugar, já que não tinha mais sua terra, tomada pelos portugueses.


"Para menina, a visão dele usando apenas um calção era colírio para os olhos. Mas Inaiê, percebendo os olhares, comelou a sacudir o corpo para a frente e para trás a fim de impedir a visão dela. Era um trio engraçado."


Aos poucos o contexto histórico vai sendo mencionado e isso começa a trazer um peso para o livro, já que o momento é complicado. A colonização está acontecendo, navios negreiros existem e Marina, assim como eu, fica totalmente com raiva da situação e até comenta que saber do fato é uma coisa, agora ver com os próprios olhos é outra, então ela precisava agir. Durante todo o livro eu tive a sensação de que Marina era uma espécie de heroína, porque ela sempre fazia de tudo para agradar, solucionar problemas, buscar tesouros, salvar os amigos etc.

O livro também é marcado por outra personagem forte, a Sereia Negra, uma mulher que precisou comandar a temida e respeitada embarcação, enquanto cuidava dos dois filhos sozinha. O respeito que tinham por ela era enorme, e, se alguém não tivesse, ela não pensava duas vezes antes de matar cruelmente e friamente a pessoa. Assim ela conseguiu sua autoridade, sendo violenta, pois em um mundo onde homens dominam, as mulheres precisam sempre se esforçar muito mais para provarem sua capacidade. Isso é algo que Marina também percebeu e teve que arrumar uma maneira de se fazer respeitada.


"Sereia Negra arrancou com força a cabeça de um por um ao som dos brados da tripulação, que as chutava para fora do navio. Ela levantou a cabeça do último, dando um grito doentio de felicidade, cada parte da sua roupa estava banhada de sangue. Era uma cena macabra. Seus olhos eram algo sombrio [...]"


Enquanto os saques, paixões, mortes e outras situações acontecem, nossa protagonista está aprendendo a lutar e se fazer uma legítima pirata, o que ela alcança em pouco tempo. Também descobre que monstros talvez existam e que poderes sobrenaturais ou especiais seriam outro ponto curioso de sua viagem ao passado. Ela não sabe se sofreu alguma consequência pela experiência. Então o título faz muito jus ao enredo, já que ela faz até o impossível para conquistar essa honra de ser pirata, algo de se adimirar.

Entre tensões amorosas e sedutoras, coisas de jovens, temos cenas de lutas maravilhosas e que são bem "sentidas" pelo leitor, passam uma emoção grande, sendo bem intensas e descritas sem cansar. Também dá para sentir toda a violência com que os piratas lutam, sem hesitação em fazer um banho de sangue, embora isso não chegue a ser descrito nos mínimos detalhes. A gente acaba automaticamente colocando no pacote.

Sempre que tudo parecia acalmar e que todos poderiam focar pelo menos um pouco em suas vidas, desejos e afazeres, algo novo entrava no caminho e mudava todo o rumo da narrativa. Isso fez o livro ser instigante em todos os momentos, e também nos apresentou pistas de assuntos que só seriam respondidos, ou não, no final. Portanto, percorri as páginas com pressa atrás de respostas.

Um tema que foge de tudo isso, mas que está presente do início ao fim do livro e faz sentido devido ao período é a religião, a fé. Ela está presente na maioria dos capítulos, muitas vezes como refúgio, algo a se agarrar e como um momento de autocuidado, principalmente de Mateo, que não desiste de tentar passar isso para os amigos. Foram passagens curiosas e deram sentido a alguns momentos.

Então, a história é leve, com um toque de peso pelo período histórico e o tema pirata, mas contém cenas engraçadas, fofas, adolescentes, tensas, tristes... Uma infinidade de emoções. Além disso, senti que a autora, de alguma forma, tentou conscientizar o leitor sobre a questão da colonização, a escravidão, isso foi muito legal e interessante, me fez refletir sobre a questão e, sendo minha área de estudo, sempre levanto a bandeira de que precisamos inserir no nosso pensamento que esse período não foi bonito e que precisamos reconhecer tamanha violência que ainda se reflete no mundo moderno.
 

"Você pode se arrepender e seguir em frente, mas não apaga o que você fez. O passado é como uma casa cheia de escolhas. Você pode queimá-la e conviver com as cinzas, ou viver como a minha mãe, que manteve a casa intacta e repleta de remorsos. As cinzas são mais fáceis de carregar e te lembram dos erros que não deve repetir. Posso orar por você?"


O livro também possui muita intertextualidade com outros textos e livros, algo bem bacana e que trouxe mais sentidos para os capítulos. A ilustração da capa, de dentro do livro e a diagramação são absurdamente lindas, eu já senti muita vontade de ler só de olhar, porque é bem chamativo.

Acabei o livro falando sozinha, por estar em completo choque. Durante ele há algumas reviravoltas envolvendo os personagens principais, mas no final há uma reviravolta mais do que absurda e que me fez questionar toda a história! Como aquilo foi possível? Como aquela pessoa chegou até lá? O que vai acontecer? Guerra ou paz? Fiquei rindo de nervoso ao imaginar todas as possibilidades de uma continuação.







Livro: Honra Pirata
Cortesia: Helena Grillo (Autora Parceira)
Número de páginas: 220
SkoobAmazon 

Durante toda sua vida, Marina foi usada como cobaia nas experiências do pai cientista. Somente as visitas escondidas de sua irmã gêmea, Mônica, traziam-lhe algum conforto. Tudo parece perdido até que seu pai perde o controle de um experimento e Marina viaja no tempo diretamente para o navio do Barba Negra. Diante dessa nova realidade, é obrigada a amadurecer e lutar por sua sobrevivência, mas também tem a oportunidade de enxergar o mundo pela primeira vez: conhecer os verdadeiros prazeres da vida, descobrir sobre o amor e entender o sentido da amizade.





Um comentário

  1. Resenha maravilhosa!!!! Muuuito obrigada por essa incrível divulgação! 💝💕❤

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