Resenha - O Sol na Cabeça

28 maio 2018
Título: O Sol na Cabeça
Autor: Geovani Martins
Páginas: 122
Cortesia: Editora Companhia das Letras
Skoob
Onde Comprar: Amazon / Saraiva

Em O sol na cabeça, Geovani Martins narra a infância e a adolescência de garotos para quem às angústias e dificuldades inerentes à idade soma-se a violência de crescer no lado menos favorecido da “Cidade partida”, o Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XXI.
Em “Rolézim”, uma turma de adolescentes vai à praia no verão de 2015, quando a PM fluminense, em nome do combate aos arrastões, fazia marcação cerrada aos meninos de favela que pretendessem chegar às areias da Zona Sul. Em “A história do Periquito e do Macaco”, assistimos às mudanças ocorridas na Rocinha após a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora, a UPP. Situado em 2013, quando a maioria da classe média carioca ainda via a iniciativa do secretário de segurança José Beltrame como a panaceia contra todos os males, o conto mostra que, para a população sob o controle da polícia, o segundo “P” da sigla não era exatamente uma realidade. Em “Estação Padre Miguel”, cinco amigos se veem sob a mira dos fuzis dos traficantes locais.



Falar sobre literatura tem atualmente gerado discussões intermináveis. Há alguns anos (2013), a youtuber Tatiana Feltrin falou em um dos seus vídeos, Quem Tem Cacife Para Falar de Literatura, sobre o argumento xucro que muitas pessoas, sobretudo leitores assíduos, tem se utilizado para denominar o que é boa ou má obra literária.


Quando o autor Geovani Martins escreveu O Sol na Cabeça, talvez nem ele mesmo imaginou que suas crônicas fossem tomar a repercussão que atualmente se encontra. Vindo da comunidade do Vidigal, no Rio de Janeiro, o gênero marginal tem ganhado as atenções de inúmeros leitores. Publicado pela Companhia das Letras,  os textos de Geovani já se encontram exportadas para outros continentes, aos países de língua portuguesa.

Talvez, para algumas pessoas, literatura marginal seja o mesmo que os discursos apresentados nos telejornais. Para outros, alguém vindo da favela não tenha nada a acrescentar. Todavia, esses e outros preconceitos nascidos em mentes ignorantes, fadadas às suas bolhas irreais de perfeições, não saibam que são as vivências de um escritor que o torna publicamente alguém de renome.

Em O Sol na Cabeça, conhecemos diferentes pontos do Rio de Janeiro. Treze crônicas, treze contrastes abismais de uma cidade na qual ricos e pobres compartilham os mesmos espaços, porém, sendo esses dois grupos muitas vezes tratados de maneira bastante diferente.

É foda sair do beco, dividindo com canos e mais canos o espaço da escada, atravessar as valas abertas, encarar os olhares dos ratos, desviar a cabeça dos fios de energia elétrica, ver seus amigos de infância portando armas de guerra, pra depois de quinze minutos estar de frente pra um condomínio, com plantas ornamentais enfeitando o caminho das grades, e então assistir adolescentes fazendo aulas particulares de tênis. É tudo muito próximo e muito distante. E, quanto mais crescemos, maiores se tornam os muros.

Diferente de muitos de nós, que diariamente ignoramos a grande parcela que vive na pobreza, Geovani cresceu neste meio, tendo total conhecimento e realidade daquilo expresso em seus treze contos. Com linguagem oral (falada), com gírias nascidas nas favelas (as mesmas que posteriormente aparecem nos “rolézinhos" dos filhinhos de papai), temos a oportunidade de submergir neste universo rico em detalhes muitas vezes cruéis, com a violência e as drogas expressas como plano de fundo em suas narrativas.

Tinha vez que sentia até pena de ver as criança naquela situação, mas o papo é
que a gente se acostuma com cada bagulho sinistro, que pena é coisa que dá e passa rápido;
geral continuou comprando droga.



[ - Minhas Impressões - ]

Quando o livro chegou em minhas mãos eu não fazia ideia do que iria encontrar naquelas 122 páginas. Meu primeiro pensamento foi: “Isso passa muito longe da minha realidade. Tenho obrigação de conhecer o mundo além das minhas quatro paredes.”. E por mais que se leia ou assista aos jornais no dia-a-dia, nada te prepara para encontrar a realidade vivenciada pelos olhos de Geovani Martins.

Rolezin é a primeira crônica e, muito provavelmente, a que mais nos choca. Não digo isso por se tratar de uma vida fadada ao descaso, mas a dificuldade da pessoas na favela ter seu respeito mantido, ou ter orgulho por ter nascido em berço humilde. É constrangedor, abominável como quem está de fora trata quem vive à margem da sociedade. Como esses homens e mulheres são considerados lixos humanos, sendo levados em cana por qualquer pretexto boçal. Se você tem dinheiro é porque roubou do rico, se a carteira está vazia é porque está prestes a armar contra o primeiro cheio da grana que aparece na sia frente. Entretanto, ninguém nunca para pra pensar que o filho da faxineira está dividindo a mesma faixa de areia com o filho do empresário com o único interesse de se divertir e esquecer os problemas ao lado dos amigos.

Espiral é outro conto que me apeteceu bastante. O garoto zoado, da escola pública, é o mesmo que mete medo na senhora bem aparentada, no ponto de ônibus. Como pode um adolescente viver dois lados tão opostos dentro de um mesmo meio? E é justamente nesse assombro de pensamentos, que o personagem da crônica decide experimentar a sensação de encarnar o personagem marginal que a sociedade gosta de denominá-lo. Todos já passamos pela sensação ruim de sermos caluniados, de sermos vítimas dos julgamentos alheios. Mas, chegar ao ponto de termos nossa índole marcada como “trombadinha”, por essa experiência ninguém deveria passar. Quantos, destes mesmos jovens, decidiram parar de lutar contra as grandes massas ignorantes e se tornar de fato marginais por conta de uma sociedade hipócrita que os consideram inaptos às boas oportunidades? Não somos nós culpados por toda essa problemática?

Admito que alguns contos do livro não me cativaram tanto quanto eu gostaria. Fica claro que alguns desses textos foram publicados puramente para encher linguiça e o livro passar das cem páginas. Todavia, ainda assim a leitura se torna uma experiência apreciadíssima.

É inegável que o marketing investido pela Companhia das Letras fez com que o autor chegasse às mãos de leitores que dificilmente conheceriam seu trabalho. Falo isso pois, a maioria dos novos escritores, muitas vezes pelejam por encontrar uma editora que os publique e, quando assim a conseguem, poucas são aquelas que investem em seu autor. Com Geovani, a sorte lhe bateu à porta e ele soube como agarrá-la.

Entretanto, enquanto assistia à entrevista de Martins no programa do Pedro Bial, me deparei com o seguinte relato do rapaz: “Quero viver de literatura”. Sendo muito honesta, eu espero sim que ele consiga viver da escrita. Porém, falando de forma bem realista, é muito cedo dizer se o Giovani vai ou não se manter no mercado. É ainda mais complicado afirmar que sua escrita oral lhe fará decolar e nunca mais retroceder os pés em solo firme. O que posso dizer, e desta vez falo como alguém que passa seus dias escrevendo, é que manter a constante em um trabalho vai muito além do que rascunhas uma folha de almaço. Escrever é muita vezes sair da zona de conforto, conhecer outros autores e estudar escrita em diversos cursos. Aprimorar e inovar a escrita é trabalho árduo e, pode não parecer, mas muito mais falhamos do que acertamos em nossos parágrafos caóticos, repletos de ideias insanas.

Independente daquilo que acabei de dizer, eu acredito sim que Geovani Martins tem potencial. Que seu nome continuará a repercutir em nossas rodas de amigos. Que seu olhar de mundo prosseguirá acrescentando novas formas de enxergar o outro, tolerando-o e aceitando-o, seja ele quem for, de onde quer que venha. Se bem conheço a Companhia das Letras, esta editora ainda nos presenteará com novas obras de Geovani, um escritor que ainda tem muito o que trilhar neste mundo da literatura nacional.

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10 comentários

  1. Quando vi a chamada do autor para o programa do Bial, acabei caçando alguma coisa da entrevista(já que nunca consigo ficar acordada até tarde) e também me surpreendi de duas formas:
    1) O menino é super novo, escreveu seu livro, mandou seu recado de uma forma por vezes muito crua, em outras até poética. Mas o livro meio que estourou e ganhou as graças dos leitores.
    2) Afirmar viver de literatura. Sei lá se considero um tiro no pé, mas há tanta gente boa no mercado literário e não pode afirmar isso com categoria, mesmo depois de tantos anos no mercado.
    O livro está na lista de desejados e espero ler..e torcer para que as letras do autor consigam se firmar!
    Beijo

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  2. Olha que interessante, Eu nunca tinha ouvido falar no escritor e tampouco na escrita . Que bom ler algo distante da nossa realidade, faço isso com os clássicos. Mas falando desse livro, acho legal mostrar o lado do povo, do favelado, as dificuldades no dia a dia. O preconceito e a fúria da polícia. Pena nem todos contos terem a mesma qualidade, acho muito desagradável quando percebemos que o autor só quis "encher linguiça ". Para mim que já tenho um certo preconceito com livros de poucas páginas ..isso gera desconfiança na capacidade e qualidade do escritor. Mas como foi dito lá acima às vezes devemos sair da zona de conforto e buscar algo novo.

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  3. Oi, Bella!
    O sol na cabeça parece um tapa na cara da sociedade ipocrita, que julga mal as pessoas só por causa de onde ela mora... penso que todas as pessoas - até mesmo aqueles policiais preconceituosos - deveriam ler esse livro... Nunca li nada que pertencesse a literatura marginal, aliás, confesso que nunca tinba ouvido falar desss gênero, mas já estou adicionando o livro na minha lista de leitura; e como uma leitora de livros nacionais desejo todo sucesso ao Geovani Martins.
    Abraços, valeu pela dica.

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  4. Olá! Confesso que não conhecia o termo literatura marginal, mas gostei da proposta do livro, curto muito a leitura de crônicas e essas parecem ser bem intensas e mostram uma realidade que por muitas vezes tentamos ignorar. Realmente se manter em alta no mercado é uma tarefa muito complicada e exige muito empenho, trabalho e pesquisa. Quero muito conhecer mais sobre as histórias relatadas no livro.

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  5. Oi Bella!
    Eu acho muito bonita a capa desse livro e eu já tinha visto ele é também várias resenhas sobre a história. E confessar que para mim devia existir mais livros assim que nos da um choque de realidade. Eu não li ele pois não tenho, mas quero comprar futuramente para ler. Bjs

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  6. Não conhecia o autor, mas gostei bastante do espaço que a editora deu para um autor nacional com um livro que fala sobre como deve ser realidade vivida por ele que nós acabamos achando que sabemos o que vemos na mídia, mas no fundo não sabemos nada.
    Achei bem interessante a temática do livro, e pretendo conferir.

    beijinhos
    She is a Bookaholic

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  7. Adorei a resenha e já tinha lido sobre o livro. Porém meu primeiro contato com a obra foi pelo programa do Bial, o mesmo que vc assistiu. Espiral, acho que foi essa que ele leu no programa e gostei bastante tb. Com certeza houve sim, alguém que enxergou um talento e uma oportunidade no Geovani e investiu. Temos muitos talentos no Brasil e infelizmente não conseguem nenhuma oportunidade. Também torço para o rapaz conseguir atingir seus objetivos e principalmente que abra portas para tantos outros nomes sem oportunidade no Brasil.

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  8. Bella!
    Tive oportunidade de assistir a entrevista do autor no Bial também e pode até ser que futuramente ele não se de bem com outros livros, mas ouvi o cidadão da editora dizer que fizeram a primeira tiragem com 100.000 mil exemplares e todos foram vendidos, iria fazer outra edição, então, pelo menos esse está dando certo e aredito que seja pelo fato de ele conseguir se comunicar, através de sua literatura marginal, com todo tipo de público, com uma linguagem que as pessoas do morro entendem, bem como os mais intelectualizados e ainda traz casos que viu acontecer e tem um fundo de verdade, mesmo que crie uma determinada ficção em cima deles.
    Sei é que estou curiosa para fazer a leitura.
    cheirinhos
    Rudy

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  9. Olá Bela
    Eu tive a oportunidade de conhecer o Geovani Martins, através de uma entrevista que ele concedeu para o programa do Bial na rede Globo.
    Esse cara é tão jovem, tem uma história de vida tão incrível, e o mais legal é que esse é o primeiro livro dele, mas que já atraiu muitos olhares positivos... É uma obra um pouco chocante, porém é um livro que precisa ser lido!

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