Resenha: A Mulher com olhos de Fogo - O Despertar Feminista

24 abril 2019


Título: A Mulher com olhos de Fogo - O Despertar Feminista
Autor: Nawal El Saadawi
Cortesia: Faro Editorial
Número de páginas: 158
Onde comprar: Livraria Cultura / Amazon
Esta ficção é baseada no relato verdadeiro de uma mulher que espera sua execução em uma prisão no Egito. Sua história chega até a autora, que resolve conhecer Firdaus para entender o que levou aquela prisioneira a um ponto tão crítico de sua existência.


“Deixe-me falar. Não me interrompa. Não tenho tempo para ouvir você”, começa Firdaus. E ela prossegue contando sobre como foi crescer na miséria, sua mutilação genital, ser violada por membros da família, casar ainda adolescente com um homem muito mais velho, ser espancada frequentemente, e ter de se prostituir...até que, num ato de rebeldia, reuniu coragem para matar um de seus agressores, levando-a à prisão.

Esse relato é um implacável desafio a nossa sociedade. Fala de uma vida desprovida de escolhas, mas que em meio ao desespero encontra caminhos. E, por mais sombrio que isso possa parecer, sua narrativa nos convida a experimentar um pouco dessa liberdade encorajadora através das transformações internas de Firdaus.

O que acontece com ela é o despertar feminista de uma mulher.



“Essa verdade terrível me confere grande força. Ela me afasta do medo da morte, da vida, da fome, da nudez, da destruição”.



Após uma psiquiatra ter iniciado pesquisas referente a neuroses em mulheres egípcias, passou a se dedicar ainda mais para descobrir os mistérios sombrios enraizados em diversas mulheres, uma delas era a temida: Firdaus. Conseguir entrar em contato com ela não era uma tarefa fácil, era uma prisioneira dotada de frieza em seu olhar, aversão por homens e sem medo algum, até mesmo da morte, mas era o imenso desejo da psiquiatra estar frente a frente com ela, e, mesmo perdendo seu posto em seus empregos, pois foi afastada do mesmo devido a sua escolha como escritora e romancista feminina, prosseguiu rumo ao seu sonho. Com tentativas inválidas, começou a se sentir uma péssima médica, duvidando até mesmo de suas competências como humana e profissional.

Passou a questionar a si mesma continuamente os motivos pelos quais Firdaus não disponibilizava o seu tempo para uma conversa com ela. Se sentindo uma pessoa e uma médica inútil, confrontando a si mesma, perdeu suas esperanças. Mas, a psiquiatra acabou se surpreendendo, com um pedido de Firdaus para vê-la, depois dos momentos em que sentiu suas expectativas serem levadas pelo vento, seu coração pulsava em um ritmo acelerado ao encontro da prisioneira tão temida. Ao se encontrarem, Firdaus pronunciou que não queria estabelecer um diálogo, onde uma iria falar e a outra responder por consequência, somente ela queria dizer. E foi assim que os seus segredos de um passado terrível foi sendo desvendado.




Firdaus, uma menina que chegou um dia acreditar que poderia ser uma médica, advogada ou juíza, deparou-se com uma realidade dolorosa e aos olhos dos homens, impossível de ser superada. Criada em um lar tenebroso, onde sua mãe sustentava um casamento abusivo, sendo agredida verbalmente, psicologicamente e fisicamente pelo o seu pai. A ela era atribuída atividades no campo e não recebia por este trabalho, até mesmo sentia fome, pois somente lhe restava o resto da comida do seu pai para se alimentarem.

Seu pai, um homem insensível, controlador e sem sentimentos, se sentia a melhor pessoa do mundo mesmo estando incluso na lista dos piores. Sua mãe, aos poucos foi perdendo o brilho no olhar, tratando-a com indiferença, e, aonde Firdaus encontrava um olhar de proteção e amor, passou a encontrar amargura e desdém. Com a morte do padrasto, restou somente a mãe de Firdaus, entretanto, mais tarde, ela veio a falecer, o que contribuiu que o tio de Firdaus a levasse para o Cairo.

Seu tio era um homem falso, por mais que havia ensinado o alfabeto à ela, ele aproveitava os momentos em que estava sozinho para deslizar as mãos sobre a coxa de Firdaus enquanto lia livros. Aproveitou para colocá-la em uma escola, onde ela viveu pequenos instantes de felicidade, podendo concluir o seu ensino fundamental e médio, para ela, estas eram suas únicas conquistas.

Seu pesadelo se intensificou ainda mais com o casamento, porque Firdaus aos dezenove anos, estava casada com um homem que a usava como empregada, então, desesperada e sem ter para onde ir, aceitava e entregava o seu corpo mesmo não sentindo prazer, dor e nenhum sentimento por ele. Então, a partir daí, ela decide ir para as ruas, pois nelas acabara encontrando mais proteção do que em seu lar casada e ao lado de Sheik.

Teve sua infância e vida adulta repleta de traumas, com o pai, o tio e outros homens que a feriram com engano, insultos e tratamentos abusivos. E por fim estando sem dinheiro para se sustentar, começou então a se prostituir, tento relações sexuais com diversos homens.




Durante a sua vida na prostituição encontra homens aparentemente legais que demonstravam querer cuidar dela, até mesmo se casar com ela, mas tudo não passava de uma ilusão, pois todos eles somente queriam sugar toda a força que ainda lhe restava. E para quem era agredida, passou a agredir, e para quem se feria, passou a ferir.

Até que em um despertar acabou levando-a para uma nova vida, onde se tornou uma funcionária de uma grande empresa, sendo então respeitada como nunca foi antes. Apaixonou-se, se feriu e fez novas escolhas, escolhas que custaram a sua vida, mas que ela faria de novo sem pensar duas vezes. E apesar de agora estar presa, estava se sentido leve e livre como nunca, pronta para viver a morte e ao mesmo tempo para deixar um legado do despertar feminista.

“Eu afundava o pé no acelerador como se tivesse pressa para atropelar o mundo e acabar com ele. No instante seguinte, porém, levantei rapidamente o pé e freei de modo brusco, e o carro parou de repente. E nesse momento percebi que Firdaus tinha mais coragem do que eu”.

Uma história forte e ao mesmo tempo comovente que vai te deixar preso as páginas e sentir todas as dores passadas pela a personagem. Um livro que precisa ser lido com calma, porque é um conteúdo que precisa ser digerido com muita calma, principalmente pela carga emocional que ele nos trás.




Este livro foi publicado pela Editora Faro Editorial, carregando consigo o subtítulo “o despertar feminista”, onde os personagens foram bem elaborados, de modo bastante realista, me remetendo as cenas como se estivesse vivenciando o enredo que é de extremo impacto, nos fazendo sentir raiva, angústia, esperança e dor. A protagonista se destaca brilhantemente, pois, embora não encontre o amor verdadeiro durante a sua existência, ela aprendeu a amá-la exatamente como ela era, com os seus traumas espinhosos e dolorosos de superá-los. Desenvolveu uma personalidade de uma mulher lutadora e capaz de tudo para proteger a si mesma. O vocabulário é de fácil compreensão e instigante, as páginas passavam voando com o auxílio dos meus dedos de tanto que a leitura foi capaz de me prender. A diagramação é impecável, o livro se divide em três partes com algarismos romanos especificando as divisões e as folhas são de cor amareladas e o formato das palavras está apto para uma boa leitura.

O livro foi escrito de um modo que nos direciona para se colocar no lugar do outro, especialmente no lugar de Firdaus, nos fazendo questionar a nós mesmas, em especial, as leitoras mulheres, pela enorme força que carregamos e que muitas vezes nos esquecemos dela quando nos deparamos com pessoas cruéis durante a nossa existência, mas, a força está intacta em nosso íntimo, às vezes, só é preciso um pouco mais de coragem para utiliza-la. Firdaus foi corajosa, apesar dos insultos, julgamentos e tratamentos abusivos, no fundo, ela sabia quem ela verdadeiramente ela era, uma mulher que se tornou persistente e disposta a proteger a si mesma da maldade. E, ao decorrer da leitura, pude olhar para o meu interior e refletir que eu também tenho força e que às vezes só falta um pouco mais de coragem em cada uma de nós, de olharmos para nós e seguirmos os nossos sonhos, a nossa estrada, sem permitir que os obstáculos, a maldade do outro, interfira em quem somos e em quem desejamos ser.Firdaus, evidenciou e afirmou mais uma vez para mim, que, uma mulher pode até carregar uma dose de medo dos homens cruéis que existem no mundo, entretanto, ela também carrega uma dose de coragem para enfrentar cada um deles, ao ler esta história eu percebi que em mim também existe coragem.  Entendi que, a pior prisão é viver a vida que desejam para nós, as escolhas dos outros, pois, a escolha de uma mulher sempre será a chave para abrir a gaiola e fazê-la voar, e voar para longe, mesmo sabendo que a morte é o fim do ciclo das nossas vidas e que algumas escolhas podem adiantar o nosso contato com ela, vale a pena o voo, o voo da liberdade. É um livro que me fez voar, e voar com liberdade.





Em especial indico este livros a todas as mulheres do mundo, para dirigirem para dentro de si mesma e relembrar qual mulher você é, qual você pretende se tornar e se existem empecilhos para que você alcance isto, se existem, elimine todos os empecilhos possíveis e seja a mulher que deseja, proteja a si mesma, lute por si e por todas. Não poderia deixar de indicar também para todos os leitores que desejam expandir o seu conhecimento sobre o universo feminista, pois é uma leitura indispensável, profundo e vale a pena mergulhar sem preconceito e sem medo!


3 comentários

  1. Como um livro tão pequeno em número de páginas pode trazer tantos assuntos fortes dentro da mesma história??
    Puxa, se já queria muito conhecer a história por trás da vida da personagem, lendo esta resenha, agora que quero demais poder conferir.
    Não só pela crueldade da vida, mas também pela luta imposta a ela e que pelo que entendi, é levada com tanta maestria!
    Vai para a lista de desejados com certeza.
    Beijo

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  2. Que resenha maravilhosa!
    Já estou de olho nesse livro; sem dúvida é uma leitura forte, mas necessária.

    Beijos

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  3. Olá! Sem dúvida uma leitura obrigatória e inspiradora. É tão maluco saber que em pleno século XXI, temos países, cidades que mantem costumes tão arbitrários para com a humanidade e não é preciso ir muito longe para ouvir histórias impactantes. Deve ser uma leitura bem intensa, não conhecia o livro, mas gostei bastante do que li acima.

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