Resenha - Deuses Americanos

26 abril 2018
Título: Deuses Americanos
Autor: Neil Gaiman
Editora: Intrínseca
Páginas: 576
Onde Comprar: Amazon / Submarino

Deuses americanos é, acima de tudo, um livro estranho. E foi essa estranheza que tornou o romance de Neil Gaiman, publicado pela primeira vez em 2001, um clássico imediato. Nesta nova edição, preferida do autor, o leitor encontrará capítulos revistos e ampliados, artigos, uma entrevista com Gaiman e um inspirado texto de introdução.
A saga de Deuses americanos é contada ao longo da jornada de Shadow Moon, um ex-presidiário de trinta e poucos anos que acabou de ser libertado e cujo único objetivo é voltar para casa e para a esposa, Laura. Os planos de Shadow se transformam em poeira quando ele descobre que Laura morreu em um acidente de carro. Sem lar, sem emprego e sem rumo, ele conhece Wednesday, um homem de olhar enigmático que está sempre com um sorriso no rosto, embora pareça nunca achar graça de nada.
Depois de apostas, brigas e um pouco de hidromel, Shadow aceita trabalhar para Wednesday e embarca em uma viagem tumultuada e reveladora por cidades inusitadas dos Estados Unidos, um país tão estranho para Shadow quanto para Gaiman.





Deuses Americanos se inicia com nosso protagoniza Shadow  Moon à beira de ser solto da prisão após completar 3 anos da sentença de um crime que não é revelado tão cedo ao leitor qual foi. Algumas das indagações que me peguei logo fazendo foram: Shadow é uma pessoa do bem? Qual foi o seu crime? Se ele é do mal então porque diabos teria paciência para ler e refletir sobre Heródoto ao invés de estar procurando confusão na prisão em nome de uma gangue? Qual foi o seu crime mesmo?

Os únicos pensamentos do nosso protagonista é rever a esposa, Laura, e tomar um bom banho quente e demorado numa banheira para assim retirar todas as impurezas e cansaço acumulados. Foram três anos cumprindo a sentença sempre sendo um detento exemplar, sabendo os momentos em que deveria baixar a cabeça e evitar uma briga mesmo sendo provocado. Shadow é muito observador e essa característica é bem marcante em sua personalidade, ele soube ficar de olho em tudo que era feito e dava errado na prisão, seguiu o caminho ao contrário para assim ser solto o mais rápido possível.

Infelizmente, às portas de sua tão sonhada liberdade descobre que sua esposa morreu em um acidente de carro horas antes de sua soltura. É uma coincidência sombria e um tanto que conveniente quando estamos na reta final de concluir a leitura da obra.


No avião, a caminho do funeral da esposa, Shadow dividi o assento com um cara muito misterioso que sabe o seu nome, lhe presta condolências pela morte da Laura e - aproveitando a deixa - o oferece um emprego de segurança que Shadow não tem a mínima possibilidade de aceitar já que só quer ir para casa.

Após o ato fúnebre e de saber em detalhes como foi o acidente que vitimou Laura o resquício de coração e vida que havia em Shadow se evapora e ele não tem mais rumo, a sua sanidade se foi. E como a coincidência parece ser uma boa companheira na sua nova liberdade ele topa novamente com o cara misterioso que é apresentado agora com um nome - Wednesday - e que insiste na proposta de emprego. Sem mais porto seguro, Shadow aceita o trabalho dando início a sua jornada como guarda-costas de Wednesday na procura de soldados para uma guerra que pouco a pouco se revela em seus detalhes conforme a leitura avança.

Deuses morrem. E, quando morrem para sempre, não há luto nem memória. É mais difícil matar uma ideia do que uma pessoa, mas, no fim das contas, ideias também podem morrer.


[ - Minhas Impressões  - ]

Com um título tão específico como esse, Deuses Americanos, é difícil conter a ansiedade e ter paciência necessária para não pular e ler somente os pontos onde são revelados quais são esses deuses.

Quero deixar claro que Neil Gaiman não criou uma história de herói, não é uma jornada de autoconhecimento mesmo que isso ocorra para Shadow em certos momentos. É um clamor do passado não querendo ser apagado pelo presente e futuro. É tradições tentando sobreviver à extinção.

Demora um tempo para sabermos o papel de cada personagem nessa trama que mais parece uma partida de xadrez onde temos que quebrar a cabeça para identificar quais são os peões, torres, bispos, cavalos, dama e rei. Por bastante tempo não compreendi qual era a importância de Shadow para o enredo; o que ele era nesse jogo de gigantes? Se ele fosse derrubado do tabuleiro haveria ainda uma guerra a ser travada? Faria alguma diferença significativa a sua partida?


Conforme vamos avançando pelas estradas dos EUA junto a Shadow e Wednesday conhecemos personagens peculiares e exóticos que não tem como esquecermos, pois são únicos. Czernobog e sua vontade de matar Shadow com uma marretada, Zorya Pulonochnaya (desculpa, tive que procurar no livro para escrever corretamente porque lembrar esse nome de cabeça é dar soco em ponta de faca) que só acorda durante a noite, Sr. Nancy que roubou as bolas de um tigre e até Laura que faz de tudo para proteger o seu marido mesmo após sua morte prematura. Shadow é o fio condutor que faz a história avançar e mesmo o autor por várias vezes parecer insistir em nos conectar ao seu protagonista é impossível não desejar saber sobre os deuses americanos e suas histórias, como foram suas jornadas de sobrevivência - ou não - após tantos séculos desde os seus dias de glórias. Os capítulos onde eram compartilhados trechos das vivências desses deuses me foram os favoritos, Gaiman demonstra ter grande cuidado e domínio em suas pesquisas para costurar bem o seu enredo e trazer enriquecimento para um leitor que não pesquisa sobre mitologia.

- Estes deuses foram esquecidos e podem ser considerados mortos. São encontrados apenas em histórias caducas. Todos se foram, mas seus nomes e imagens permanecem conosco.

Com narrativa em terceira pessoa, o holofote do narrador é sobre Shadow onde se descreve as suas ações e pensamentos reflexivos diante de tantas cenas bizarras que perdem o seu tom irracional uma vez que Shadow em nada mais se surpreende ou questiona após ver Laura pós-morte. Mas há momentos em que o foco sai do nosso protagonista humano e viaja por deuses disfarçados em solo americano que sobrevivem diariamente na tentativa de não ser esquecidos. Muitos me eram desconhecidos e um dos que merece ser citado é a Bilquis com sua maneira incomum de ser adorada por homens durante o ato sexual.

Um ponto negativo da presente obra que deve ser levantado é Wednesday sempre estar largando Shadow por cidades pequenas e desconhecidas, e deixando-o de sobreaviso para a qualquer hora ter que pegar a estrada, sem questionar. Além de ser incomodo são raros os momentos em que Wednesday compartilha o que estava tramando, pois, ao contratar Shadow, ele havia deixado claro que não aceitaria questionamentos. Mesmo sendo um artifício do autor em manter o leitor interessado no enredo chega a cansar essa escassez de informação sendo que o esperado de uma narrativa em terceira pessoa é uma abordagem mais ampla do enredo, fora que essas cenas onde Shadow é largado numa cidade parecem ser artifícios a fim de prolongar a histórias além do que devia.

Foi enriquecedor saber um pouco mais de povos antigos que tentaram sobreviver às injustiças humanas através de sua fé nos deuses. Tem uma parte do capítulo Onze - intitulada Vinda à América - que me é especial pois revela algo doloroso que aconteceu ao povo africano: a escravidão. O autor teve o maior cuidado em abordar sobre as adorações aos deuses que os brancos tentaram destruir dos negros, mas que não conseguiram pois era algo intrínseco a eles, poderiam arrancar partes dos seus corpos, açoitar e queimar suas peles, mas nunca iriam retirar suas raízes, sua fé e seu folclore.

 Mas ela poderia falar sobre o filho, e sobre quando arrancaram o polegar dele quando o mestre descobriu que o menino sabia ler e escrever. Ela poderia falar da filha, com doze anos e já grávida de oito meses de um capataz, e do buraco que cavaram na terra vermelha para acomodar a barriga grávida de sua filha, e depois a açoitaram até fazer as costas dela sangrarem. Apesar do buraco cavado cuidadosamente, sua filha havia perdido o bebê e a vida em uma manhã de domingo, quando todos os brancos estavam na igreja...
 Dor demais.

Considerei em suas 576 páginas, mas recompensadora em seu final principalmente nos capítulos que sucumbem no clímax da guerra entre o antigo e o novo. Todas as peças do quebra-cabeça que tanto me incomodou vi ser encaixado, me senti besta ao ver detalhes tão na cara, mas que ignorei na busca de outra resposta. A moral que retirei foi: sempre desconfie de todos!

Com uma capa que representa uma mitologia abordada no enredo em peso lá pelos últimos capítulos, a obra possui páginas amareladas, fonte das letras medianas que aliadas a um bom espaçamento entre linhas e a escrita fluída e simples de Gaiman proporcionam uma leitura prazerosa. Os capítulos são infelizmente longos, o que pode causar incomodo ao leitor voraz.


Essa edição possui extras muito bons que merecem ser informados: há uma introdução do autor que revela como foi o processo de escrita de Deuses Americanos assim como possui uma entrevista nas páginas finais da obra, também tem Notas do Tradutor onde Leonardo Alves revela o quão desafiador foi traduzir para o português brasileiro os trocadilhos do original e os apelidos dos personagens sem perder a essência. Ah, e para fechar com chave de ouro Neil Gaiman responde a uma pergunta que ninguém ousou lhe fazer, mas que sentiu o direito de responder mesmo assim, e também tem um Apêndice onde Shadow tem um encontro com um deus que eu não esperava de maneira alguma ver.

Recomendo a obra para todo leitor ficcional ou mesmo que tem a curiosidade em saber sobre mitologias que predominavam como religião antes do novo mundo tomar o globo terrestre.


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10 comentários

  1. Mesmo não sendo tão fã de livros que trazem capítulos longos(é apenas um detalhe), sou fã demais do trabalho de Neil. Não há como chegar em uma resenha de um livro dele e não deixar os olhos brilharem.
    Gostei também de saber que o livro não somente traz a saga de uma pessoa que tem que recomeçar em meio a algo tão desolador, mas também há uma parte de história e isso é muito bom!
    Vai para a lista de desejados com certeza.
    Beijo

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  2. Oi, Bruno!
    Desde que lançaram esse livro, fiquei com uma curiosidade enorme pra ler. O que me chamou atenção de imediato foi o tema da mitologia. Eu comecei a admirar muito essa área depois de ler, quando criança, a saga do Percy Jackson e os Olimpianos. E apesar das opiniões divergentes sobre a qualidade dessa história, é uma das coleções que eu mais amo, e que vou guardar pra vida inteira! Eu gosto muito da ideia de ter um herói na história, mas ao mesmo tempo creio que novas abordagens são muito bem-vindas, como o fato do protagonista nao se encaixar naquele estereótipo mais comum de ser visto. Inclusive, uma característica muito interessante que você mencionou, foi o Shadow ser muito observador e usar isso na sua sobrevivência (como sair maus cedo da prisão). Além disso, foram diversos os detalhes que chamam a atenção, como o mistério das circunstancias e personagens (nesmo que a escassez de informações tenha sido incômoda em algum momento), a narração em terceira pessoa, as personagens peculiares de cada deus, conhecer sobre povos antigos. Esse é um dos livros que eu futuramente, com toda a certeza, comprarei.

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  3. Olá Bruno,
    Quanto conteúdo em uma só história, confesso que estou até meio perdida, rs.
    Gostei dessa mistura de realidade com fantasia, não tive a oportunidade de ler nenhum livro do Neil, mas percebi como ele consegue manter o leitor curioso e com expectativas, e melhor ainda quando elas são atendida.
    Acho que minha curiosidade foi despertada pela mitologia existente, algo que eu pouco sei ...
    Beijos

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  4. Oi, Bruno.

    Acredito que essa nova vida e caminhada ao lado do Wednesday, foi de grandes descobertas para o Shadow, visto que ele foi conivente com tudo e introduzido em um novo mundo sem ressalvas... E de uma certa forma, ele pode ter sido atraído para tudo isso.

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  5. annyeonghaseyo,Bruno!
    Como é a primeira vez que vejo esse livr, mesmo não sendo muito fã das obras do Neill, essa eu leria, adorei a capa e a premissa, e nem me importaria com os capítulos longos, pois já li um livro que os capítulos eram extremamente compridos e cansativos. Para mim se a história for boa os capítulos longos não me incomoda na hora que eu estiver lendo. Bjs

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  6. Oi Bruno.
    Essa história para bem complexa, intrigante e envolvente. Também sou dessas que suspeita de todos! Já deu para perceber que o autor consegue enganar o leitor direitinho, para depois esfregar na cara que aquilo era óbvio, era só seguir as migalhas. Adoro livros assim.
    Achei bem legal as partes extras com nota do tradutor entrevista com o autor.
    Com certeza quero ler esse livro.
    Beijos

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  7. Eu já até tinha visto o livro nas livrarias online, mas não tinha lido nada sobre ele. Fiquei intrigado e curioso com o enredo e toda essa trajetória de Shadow. Toda essa referência à mitologia e aos grandes Deuses atiçam ainda mais a vontade de ler. Parece ser uma leitura que realmente nos envolve em busca de respostas para somente no final juntar as peças. Adorei a resenha e o livro vai para minha lista de desejos.

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  8. Olá Bruno!
    Eu conhecia Neil Gaiman só de Sandman e Coraline, além dos filmes claro. Pra mim foi um susto esse livro, li em 3 dias porque ficava agoniada...Eu senti o tempo todo com o se estivesse dentro do livro, a história leva o leitor no banco do passageiro,ao lado,o tempo todo, muito triste o que aconteceu com Shadow (nome sugestivo) e todos personagens são incríveis, as velhas eu amei.Não é meu tipo de leitura preferida, mas esse escritor ultrapassa limites. Adorei.

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  9. Antes de mais nada, eu AMEI Deuses Americanos e o Neil Gaiman é genial e um dos meus autores favoritos. Dito isso, concordo com tudo que você disse. A história é um grande tabuleiro de xadrez e não sabemos nem com quais peças estamos jogando, tudo isso utilizando como alegoria os deuses de várias culturas e mitologias e suas peculiaridades, o que demonstra um enorme trabalho de pesquisa e uma genialidade sem tamanho. Adoro a Bilquis, o Czernobog e o meu favorito: Mr. Nancy. Eles são extremamente carismáticos! Também adorei a série, uma das melhores adaptações atualmente.
    Beijos e ótima resenha!!

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  10. Oi Bruno!
    Adoro o autor, tenho vários livros até, inclusive "Deuses Americanos" mas confesso que esse não consegui me interessar tanto e to com ele na estante faz um tempinho. Lendo sua resenha acho que parece um livro bom de fato, mas um pouco cansativo devido a essas faltas de informações,etc.
    Qualquer dia leio e tiro minhas próprias conclusões.
    Bjs

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