Resenha - Desgrávida

31 agosto 2020

Livro: Desgrávida
Autor: Jenni Hendriks e Ted Caplan
Cortesia: Faro Editorial
Nº de páginas: 254
Onde comprar: Amazon 
 Veronica Clarke nunca foi reprovada num teste e nunca desejou isso. Até agora... Aluna exemplar, aos 17 anos, ela parece ter uma vida perfeita: um namorado apaixonado, pais que se orgulham dela e uma vaga na universidade dos seus sonhos. Mas, pela primeira vez, um resultado de positivo não lhe parece algo bom. Ao fazer um teste de gravidez, Veronica se descobre grávida e fica em pânico ao ver seus planos de futuro irem por água abaixo. Desesperada, ela decide realizar um aborto. Com medo de enfrentar julgamentos, Veronica encontra uma aliada improvável... a rebelde Bailey Butler, sua ex-melhor amiga, é a única com quem ela pode contar. Para tentar realizar o procedimento, as duas partem em uma viagem de mais de três mil quilômetros, em meio a loucuras, risadas, cumplicidade e discussões que reabrem cicatrizes que precisam arder antes de, talvez, serem curadas. Talvez um teste positivo seja o menor dos problemas. Talvez o percurso seja mais importante. Talvez aprender a rir da vida e não levar tudo a sério seja um caminho. Será?


Sentada no banheiro da escola com o teste de gravidez na mão, Verônica pensa e repensa todo o rumo que sua vida levará assim que ela fizer o que deve fazer e ver o resultado. Como que foi dar positivo? Ela não faz ideia, já que sempre tomou todas as medidas de precaução. Agora, tudo parece perdido em meio ao desafio de uma gravidez não planejada na adolescência. 

Por mais que seu namorado seja incrível, ou pelo menos é o que aparenta ser, ela não pode abdicar de tudo que veio construindo em longos anos sendo a melhor aluna e traçando metas que a levaram direto para uma vaga em uma das melhores universidades. Além disso, seus pais são religiosos e sempre confiaram muito nela, de olhos fechados, pois sabiam que ela jamais desapontaria eles.


Sendo a namorada, aluna, filha, amiga e pessoa perfeita,Verônica não poderia deixar seu mundo ruir e os outros saberem o que aconteceu, nem mesmo suas melhores amigas, que a veem como um exemplo, então, coincidentemente, o destino coloca Bailey Butler no banheiro no exato momento em que Verônica está vendo o resultado de seu teste de gravidez. 

As duas são ex-melhores amigas e agora terão um novo elo que as unirá: a decisão de Verônica sobre interromper a gravidez. Já que Bailey sabe, tornou-se a única pessoa com quem Verônica poderia contar para a levar até uma clínica que aceitasse menores de idade sem os pais. Tudo ocorrerá no maior sigilo e de forma rápida, ou pelo menos é isso que as duas pensam.

"Era hora de descobrir se o meu pesadelo tinha acabado ou se estava apenas começando. [...] Ainda que estivesse sozinha, não conseguia me livrar da sensação de que alguém saberia o que eu estava prestes a fazer."


[- Minhas Impressões -]

Eu começaria dizendo que esse é um livro para quem tem mente aberta, por causa do tema pesado e controverso que ele aborda, mas acredito que, na verdade, esse seja o livro ideal para abrir mentes e fazer as pessoas pensarem sobre o assunto. De forma leve e até engraçada, os autores discutem sobre o aborto, sobre escolhas, sobre planos de vida, religiosidade, o que é a pressão colocada em uma pessoa para que ela seja completamente perfeita e o que é a exclusão que fazem de pessoas que não se dobram a esses padrões da sociedade e não estão nem perto de serem perfeitas. Portanto, é um livro com muitos debates, que acontecem em meio a narrativa fluida e leve.

O livro é narrado em primeira pessoa, contém descrições na medida certa e muitos diálogos interessantes, sérios e engraçados.  Quem narra, então, é a própria Verônica. Acompanhamos de perto o dilema dela sobre tudo o que está acontecendo em sua vida. Sua maior preocupação é não deixar de ser perfeita, não deixar que os outros descubram o que aconteceu e, por isso, seu primeiro pensamento, sem hesitação, é interromper a gravidez. Durante todo o livro, temos um debate sobre a questão do perfeccionismo e vemos como isso afeta profundamente nossa protagonista. 

Fica claro que é muito injusto que ela prossiga com essa gravidez e esqueça tudo que planejou para toda a sua vida. É muito pertinente a preocupação dela sobre a vaga em uma conceituada faculdade, onde, apesar de ela ficar longe do namorado e da família, irá aproveitar muitas oportunidades. Para mim, ficou fácil de compreender a escolha dela e eu, desde o começo, nunca julguei ou duvidei disso. Apesar de ela já estar certa, na verdade isso não a isenta de pensamentos de culpa e de estar fazendo o certo ou errado, vemos como as dúvidas oscilam em sua mente.


Também somos expostos à pressão que ela sofre da família, para ser alguém bem sucedida. Eles acabam por perpetuar essa questão de "menina perfeita" e jogar essa responsabilidade em cima dela, que seria a primeira pessoa da família a ir para uma faculdade. Além disso, eles, por causa da religião, deram um anel de castidade para ela, que deveria se guardar para um casamento. É muito interessante ter esse tema tratado junto, o da religião, pois podemos ver a hipocrisia de algumas situações e temos debates interessantes sobre isso. A família dela também se mostra bastante omissa e com problemas de comunicação, porque, sabendo que ela fazia sempre tudo certo, eles nunca se preocuparam em olhar de fato para a filha e perguntar o que ela sentia ou como ela estava.   

"Girei o anel em meu dedo, sentindo suas espirais e ranhuras familiares. Tinha sido ideia do meu pai. Na ocasião, pulei de alegria, ansiosa parar ir à igreja e fazer a promessa que sginificaria quase nada quando eu tinha doze anos, só para mostrar a ele que eu era melhor que a  minha irmã."

Um dos personagens que ganha destaque é o namorado dela, Kevin, que parece ser o garoto perfeito e muito apaixonado por ela, mas acabou que ele se mostrou extremamente obcecado. Eu fiquei com muito nojo de coisas que vieram à tona ao longo da trama. Ele ficou insuportável por tudo que ele fez e causou a Verônica, e pela própria personalidade dele. Simplesmente detestável e abusivo. Eu gostei de como ela entendeu que ele era prejudicial e de como ligou todos os pontos. 

Ao contrário dele, a Bailey foi uma personagem sensacional e que fez toda a diferença, fiquei apaixonada por ela do início ao fim, porque de alguma forma eu me identifiquei com a personalidade dela (assim como também me identifiquei com a da Verônica. Eu seria uma mistura das duas). Ela é a excluída, de gosto duvidoso e com aparência pesada. Seus cabelos coloridos são sempre sinal de rebeldia e mau comportamento, mas tudo isso esconde uma menina maravilhosa, que, mesmo não tendo mais nenhuma relação com Verônica, aceita levar ela até a clínica. Bailey esconde seus problemas muito bem atrás do sarcasmo e de viver a vida intensamente. 

"Bem acima de mim, com o vento desgrenhando seu cabelo, ela parecia pronta para uma aventura. Bailey parecia livre. Uma liberdade que eu nunca tinha sentido em toda a minha vida. Sobre mim havia muitas expectativas, muitas obrigações para me reprimir."

Durante a viagem carregada de atos ilícitos e diversões, as duas irão reviver momentos marcantes da amizade, tentando, quem sabe, salvá-la. O fato delas não serem mais amigas me deixou bem curiosa para seguir acompanhando a jornada. Com Bailey sendo livre e feliz, Verônica se questiona sobre ser certa ou ser feliz e é muito interessante ver como a personalidade das duas se contrastam e, ao mesmo tempo, se completam. 

O que não faltam no caminho até a clínica são momentos extremamente cômicos, situações muito impensáveis e que deixaram as duas em belas enrascadas, inclusive envolvendo uma boate de striptease e um pasto cheio de vacas! Momentos que me levaram a muitas risadas, mas que, cada vez mais, me angustiavam por serem empecilhos no caminho das duas até a clínica. Acreditem, são muitos empecilhos mesmo. Também aconteceram momentos que foram tensos na medida certa, envolvendo os sentimentos da Bailey, que também se valeu da viagem para finalidades próprias que diziam respeito a sua família. Teve cenas que foram de partir meu coração.

"- Isso não significa que devemos entrar em uma situação com 99% de probabilidade de dar errado. Acabamos de escapar de um serial killer e de ser mortas por vacas. Não vamos forçar a barra."

Enfim, Desgrávida toca na ferida de um assunto muito importante, que deveria, sim, ser questão de escolha do corpo de quem está para gerar a criança. O livro nos mostra como uma gravidez indesejada afeta a vida de alguém. Mesmo que essa pessoa tenha o apoio familiar, isso nem sempre é suficiente para suprir as frustrações de ter que perder seus sonhos. Também aborda a burocracia para realizar o procedimento, o medo do preconceito por estar gerando uma criança sendo tão nova ou por decidir não gerar, porque, qualquer que fosse a escolha, as pessoas iriam falar e iriam olhar torto. Além disso, temos, levemente, uma representatividade também na história, que não posso contar, pois a descoberta fez parte de cenas muito engraçadas e legais.

Acima de tudo isso, o livro mostra como essa jornada até a clínica, que durou um dia, mas que parecem meses, revelou para Verônica que ela não precisa ser a pessoa perfeita, ela apenas precisa ser ela mesma. É lindo ver ela redescobrir sua essência e expressar muitas coisas que perderam o sentido. Também é legal ver como a Bailey foi uma parte muito importante de tudo isso e como o apoio dela fez a diferença.

Amizades de fachada, namoro por conveniência, suprir expectativas, será que tudo isso vale a pena? Leia e descubra. 

"Elas só fingiam gostar de mim porque eu era mais popular. [...] Elas estavam todas falando de mim. Na realidade, estavam contentes por eu não estar lá. Porque tinham inveja de mim. E, então, um pensamento ainda mais assustador: se era assim que elas pensavam quando achavam que eu estava passando o fim de semana abraçada com o meu namorado, o que aconteceria se descobrissem o que eu realmente estava fazendo?"

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