Resenha - O Coro dos Defuntos

18 setembro 2018

Título: O Coro dos Defuntos
Autor: António Tavares
Cortesia: Leya
Páginas: 208
Skoob
Onde comprar: Amazon / Saraiva

Com personagens inesquecíveis e um texto extremamente original, O coro dos defuntos, romance de António Tavares, vencedor do Prêmio LeYa 2015 e aplaudido pelo público e pela crítica, é um retrato ímpar da última geração que vive esse momento histórico, do ano de 1968 ao 25 de Abril de 1974.
São tempos de grandes avanços e convulsões, mas, numa pequena aldeia portuguesa, os habitantes preocupam-se, sobretudo, com a falta de chuva, a praga e as colheitas, como a das uvas. E é nessa pequena aldeia que coisas muito estranhas começarão a acontecer: uma velha prostituta é estrangulada, o suposto assassino some dentro de um grande rochedo, uma mocinha casta que coleciona santinhos sofre uma inesperada metamorfose e a parteira, que também é bruxa, sonha com o ditador (Salazar) que cai da cadeira, e ela vê crescer-lhe, como espécie de hematoma, um enorme cravo vermelho dentro da cabeça. E eis que a primeira televisão chega e “as gentes” da aldeia começam a assistir às transformações por que passam o mundo.






“Diz ela que o mundo nem sempre foi assim. Noutros tempos, a avó corria a beira do rio com um pau de vime na mão a espantar os espíritos dos mortos e batia nas pedras e na água como se sacudisse os males da Terra.”

E é nessa “vibe” bem interiorana que este livro se inicia. Pelo menos para mim esta história começando desta maneira me lembra muito o estilo de narrativa em que uma avó senta para contar histórias e casos das épocas passadas, família reunida, bem clima de interior mesmo. E foi bem isso que me prendeu a atenção no início deste livro. Prontos para um livro bem diferente? Pois muito que bem, vamos lá!



Este livro traz uma maneira diferente de entregar sua narrativa. Em primeiro lugar na minha opinião este é o tipo de história na qual o personagem principal não existe, ou bem, existe sim: é uma aldeia do interior de Portugal onde se passam todos os acontecimentos. O contexto histórico se passa na época do final do regime ditatório de Salazar em Portugal. O livro pega bem o fim deste regime e a Revolução dos Cravos.

Há personagens como o pároco, o seminarista, a prostituta, os dinamiteiros e outros que compõem todo o cenário, mas eles são meros coadjuvantes do foco do que se quer contar. Para mim este livro se trata de uma quebra de gerações. Ele vai nos contar assim como pudemos perceber pelo seu início o fim de uma época em que as coisas eram mais simples, e que com o advento da tecnologia, tudo toma um outro rumo. E muito dessa mudança se dá principalmente por um acontecimento simples: o taberneiro local decide comprar uma televisão.

“Diz ela que a partir daquele dia a aldeia não voltaria a ser a mesma. Via-se mal o mundo mas ouvia-se alguma coisa. [...] via-se outros assuntos, outras figuras e outras gentes, imagens de cidades e, sobretudo pessoas que falavam de uma maneira diferente.”

Apesar deste acontecimento grandioso, as pessoas do lugar ainda não compreendem momentaneamente a marcha acelerada para qual o mundo está caminhando. Fora da aldeia coisas como o homem pisar na lua pela primeira vez e o primeiro transplante de coração estar sendo feito, são muitas vezes incompreensíveis para os simples habitantes do local.

O livro é marcado também por seus muitos regionalismos advindos de Portugal, o que em um primeiro momento acaba dificultando um pouco a leitura, mas ao final há um glossário para maior entendimento de algumas palavras e expressões. Para mim isto até foi um diferencial, pois torna a história mais convincente.

Alguns acontecimentos um tanto misteriosos e com um pé no misticismo acontecem nesta aldeia. Por exemplo, a parteira do lugar, que também é considerada uma espécie de vidente/bruxa, meio que prevê a morte do ditador Salazar ao ter uma visão dele caindo de uma cadeira e nascendo em sua testa um cravo vermelho, uma clara alusão a morte do ditador e ao início da Revolução dos Cravos. Inclusive quem narra esta história, na verdade ouviu ela toda da neta desta parteira. Outro personagem marcante é o seminarista Manuel Rato, que ao ser suspeito da morte da prostituta local, a Chinchona foge e seu sumiço é tratado como algo sobrenatural, já que moradores alegam que ele na verdade entrou dentro de uma pedra e se escondeu lá para sempre. Bem louco não é mesmo?

Toda a aldeia tem essa mistura de ser bem religiosa, porém dar espaço a essas crendices místicas, onde um cometa para eles é um presságio de azar, ou a visão de uma mulher em uma floresta é um milagre dos céus e por aí vai.

“O que se dizia era que o Manuel Rato tinha entrado por uma pedra adentro. Assim, literalmente. Tinha furado a sua parede como fazem certos bichos à madeira. Uma vez admitida a tese, as versões dividiam-se. Havia os que afiançavam que dormitava, deitado como um abade à sesta, e outros que garantiam que se tinha encolhido, virado para o lado onde o sol nasce, e que se amarrara a uma espécie de sono profundo e eterno.”


Como disse anteriormente, é difícil até aprofundar-se muito nas características psicológicas dos personagens deste livro, pois eles apenas compõem o cenário de algo muito maior, que é essa grande mudança pela qual o mundo está passando. Inclusive o título do livro na minha interpretação quer dizer bem isso, o ultimo coro que aquela geração (já morta agora) esta nos contando.

Para mim esta foi uma leitura um pouco irregular. Achei bem interessante esta parte mais sobrenatural e que lembra muito um gênero da literatura conhecido como realismo mágico. Porém a falta de profundidade dos personagens me decepcionou um pouco. Recomendo esta história para quem quer ler algo bem diferente do que se costuma ser produzido atualmente e quer um panorama do final dos anos 60 e início dos 70. A edição da Leya apresenta uma capa bem conceitual e a diagramação é confortável de ser lida, inclusive os capítulos são bem curtinhos, o que torna a leitura bem rápida.

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10 comentários

  1. Adorei esta forma inovadora de se contar uma história. Sinceramente não me recordo de nenhum livro que eu tenha lido que seja assim, por isso, fiquei encantada!
    Sem contar o título que achei maravilhoso e instigador.
    Pena que não houve este aprofundamento nos personagens, eu gosto muito de ler sobre a história deles, mas em contrapartida, a parte sobrenatural do livro parece ser completa.
    Com certeza, vai para a lista de desejados.
    Beijo

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  2. Olá! Todo o enredo do livro é realmente bem diferente de tudo que eu ando lendo ultimamente, combinado com esse título mais diferente ainda foram os principais motivos que me fizeram querer dar uma oportunidade a leitura, é sempre muito bem-vindo este tipo de história que nos fazer sair um pouco desse mar de histórias semelhantes.

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  3. Olá Eduardo.
    Essa leitura parece bem peculiar e fora da zona de conforto.
    Achei a premissa interessante, mas não sei se a leitura iria me prender.
    Parece que o livro pode ter diversas interpretações e achei isso interessante. Mas não gosto muito quando os personagens não são tão bem desenvolvidos. Dessa forma não sinto uma conexão com eles.
    Beijos

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  4. Oi Eduardo!
    O livro me chamou atenção, achei bem diferente dos livros que estou acostumada á ler, seria bacana conhecer a história, como gosto do gênero, vou add nos desejados, creio que vale a pena dar uma chance á leitura.
    Bjs!

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  5. Oi, Eduardo,

    O período agravante em que a história se passa complementam os fatos construídos em cima disso, e em sua originalidade. É um enredo intrigante.

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  6. Oi Eduardo, tudo bem?
    Nunca tinha ouvido falar deste livro, e pelo título achei que se tratava de alguma história de terror ou coisa do tipo. Achei bem interessante e diferente a premissa do livro cheia dessas crenças e coisas sobrenaturais.
    Beijos

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  7. Oi, Eduardo!
    Não curto histórias cheias de personagens, e confesso que achei a trama de O coro dos defuntos bem confusa, essa mistura de misticismo e crendices não faz o meu estilo de leitura... por isso eu não leria esse livro.
    Mas que pena que não houve uma profundidade nos personagens, assim fica difícil apreciar a leitura, né?! O autor deveria ter focado mais nesse detalhe por ser um história com vários personagens.

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  8. Esse livro me deixou bastante curiosa porque é escrito de uma forma bem diferente do que eu costumo ler e esse título é instigador. Já quero muito!

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  9. Olá Eduardo, a resenha desse livro me lembra muito Gabriel Garcia Márquez, realismo mágico, gosto muito. Tipo de livro que mescla política ,religiosidade, misticismo ,regionalismos ,tudo isso torna a obra única.
    Quanto ao português de Portugal realmente é uma dificuldade à parte, quando leio um livro assim recorro as notas de rodapé, ao glossário se tiver,E ao Google, Apesar dessa singularidade eu acho que isso torna o livro único ,parece que entramos na história, nesse caso nessa aldeia, E assustados vemos o progresso e os acontecimentos do nosso mundo invadirem uma comunidade tão pacata...adorei, vou colocar na lista.

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  10. Embora bem diferente dos livros que tenho lido, fiquei bastante interessado. Ainda não conhecia. Achei interessante a ideia da aldeia ser o grande destaque da narrativa e parece que todos os coadjuvantes são personagens que contribuem para uma boa história. A época, o país e o momento relatado, acrescido do misticismo presente, também são muito bem vindos pra mim. Com certeza a dica foi anotada.

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