Resenha - Fahrenheit 451

30 julho 2018


Título: Fahrenheit 451
Autor: Ray Bradbury
Editora: Biblioteca Azul
Páginas: 215
Skoob
Onde comprar: Amazon / Saraiva

Escrito após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1953, Fahrenheit 451, de Ray Bradubury, revolucionou a literatura com um texto que condena não só a opressão anti-intelectual nazista, mas principalmente o cenário dos anos 1950, revelando sua apreensão numa sociedade opressiva e comandada pelo autoritarismo do mundo pós-guerra. Agora, o título de Bradbury, que morreu recentemente, em 6 de junho de 2012, ganhou nova edição pela Biblioteca Azul, selo de alta literatura e clássicos da Globo Livros, e atualização para a nova ortografia.
A singularidade da obra de Bradbury, se comparada a outras distopias, como Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, ou 1984, de George Orwell, é perceber uma forma muito mais sutil de totalitarismo, uma que não se liga somente aos regimes que tomaram conta da Europa em meados do século passado. Trata-se da “indústria cultural, a sociedade de consumo e seu corolário ético – a moral do senso comum”, segundo as palavras do jornalista Manuel da Costa Pinto, que assina o prefácio da obra. Graças a esta percepção, Fahrenheit 451 continua uma narrativa atual, alvo de estudos e reflexões constantes.


“Já parou para observar os carros a jato correndo pelas avenidas naquela direção? [...] Às vezes acho que os motoristas não sabem o que é grama, ou flores, porque nunca param para observá-las.”



Conseguem imaginar uma época em que ninguém mais lê nenhum tipo de livro, afora aqueles que contenham a programação e/ou os roteiros de programas de TV, e em que aqueles são queimados pelas mesmas pessoas que deveriam impedir incêndios e a sua propagação? Parece terrível, porém este é exatamente o cenário da magnífica obra distópica de Ray Bradbury, Fahrenheit 451.
Neste mundo, as casas são à prova de incêndios e não se precisa mais de bombeiros, sendo que a função destes agora é somente a de queimar os temidos livros e se certificar de que as pessoas realmente não os estejam lendo mais.


Guy Montag era um bombeiro, e um que realmente se orgulhava de sua profissão, ou pelo menos era o que ele pensava até uma estranha menina aparecer em seu caminho e começar a questioná-lo sobre tudo o que acreditava. Toda vez agora que Guy vai ou chega do trabalho, ele a encontra passeando por aquela região, e ambos conversam durante longos minutos sobre tudo o que está ao redor deles e a maioria das pessoas não nota em sua correria. E é durante estes pequenos momentos que Clarisse o questiona a respeito do porquê de ele ter escolhido ser um bombeiro e se ele realmente é feliz do jeito que está.

“Como é que começou? Como é que entrou nisso? Como escolheu esse trabalho? Como chegou a cogitar em assumir esse emprego? Você não é como os outros. Eu vi alguns; eu sei. Quando eu falo, você olha para mim. Ontem à noite, quando eu disse uma coisa sobre a lua, você olhou para a lua. Os outros nunca fariam isso. Os outros continuariam andando e me deixariam falando sozinha. Ou me ameaçariam. Ninguém tem mais tempo para ninguém. Você é um dos poucos que me toleram. É por isso que acho tão estranho você ser bombeiro. É que, de algum modo, não combina com você.”

Com isso, Montag começa a entrar em um lento processo de mudança, o qual vai se intensificar com um estranho episódio presenciado por ele de uma senhora ser queimada viva junto de seus livros por se recusar a deixá-los e a viver sem eles, levando a uma sequência de voltas e reviravoltas em toda a sua vida e na de sua mulher, Mildred.



[ - Minhas Impressões - ]

Apesar de já ter visto algumas coisas a respeito desse livro, foi somente quando o li que pude realmente entender o porquê de a obra de Bradbury ser tão aclamada mundo afora. Ao ler Fahrenheit 451 não espere por grandes aparatos tecnológicos ou fantásticas invenções distópicas, mas sim uma grande crítica não só a opressão nazista existente em sua época, como também a uma sociedade bem semelhante à nossa atual, que já não consegue digerir algo mais complexo do que uma novela ou um programa de TV interativo e não se sensibiliza mais com o que está acontecendo ao seu redor, mesmo que uma guerra mundial esteja prestes a explodir.

No início da narrativa temos um desenvolvimento lento, com poucos acontecimentos. Acompanhamos um pouco da rotina de Montag, ao mesmo tempo em que conhecemos alguns dos personagens que terão um papel fundamental durante a história, como Beatty, o chefe dos bombeiros, Mildred e Clarisse McClellan. Conforme, porém, a trama vai seguindo, isso vai mudando um pouco até chegar subitamente a um ponto em que tudo começa a acontecer e a história é acelerada rapidamente.

De princípio não me apeguei muito aos personagens, mas conforme a história se desenrolava não pude deixar de me sentir curiosa para descobrir um pouco mais de cada um e o que aconteceria com eles. Apesar de não apresentarem nenhum grande desenvolvimento na história, assim como Mildred, que é uma personagem estática, Clarisse e Beatty foram alguns dos personagens que achei mais interessantes, além de Faber um pouco mais adiante, por levarem a algumas das críticas e reflexões mais pertinentes da obra: Clarisse especialmente pelos seus questionamentos e pela sua visão de mundo, e Beatty por sua contradição de saber muito a respeito dos livros, chegando a citar inclusive Shakespeare e outros de cor, e ao mesmo tempo dizer que eles não deviam ser lidos por não terem sentido algum e serem “inúteis”.

O autor tem um leve tom monótono, ainda que de certa forma objetivo e dinâmico, e vai passando algumas das cenas do cotidiano de Guy como em um filme, cortando algumas partes e pulando direto para outras, sem grandes descrições a respeito do que está acontecendo. Em parte, esse foi um dos motivos para eu ter demorado a me prender de fato na história e a concluir a leitura, porém acredito que um dos principais foi a quantidade de críticas que o autor fazia a diversos aspectos do que poderia advir de um mundo consumista e apático, por desejar ler essas partes com mais atenção, a fim de absorver o máximo que podia.

“Acelere o filme, Montag, rápido. Clique, Fotografe, Olhe, Observe, Filme, Aqui, Ali, Depressa, Passe, Suba, Desça, Entre, Saia, Por Quê, Como, Quem, O Quê, Onde, Hein? Ui! Bum! Tchan! Póin, Pim, Pam, Pum! Resumos de resumos, resumos de resumos de resumos. Política? Uma coluna, duas frases, uma manchete! Depois, no ar, tudo se dissolve! A mente humana entra em turbilhão sob as mãos dos editores, exploradores, locutores de rádio, tão depressa que a centrífuga joga fora todo pensamento desnecessário, desperdiçador de tempo!”

Apesar de ter sido escrito em 1953, Fahrenheit 451 consegue ser totalmente atual e prever diversos problemas que estão em pauta nos presentes dias. Um exemplo disso é quando o autor aponta para o fato de o mundo estar já tão apressado, que antes o que demoraria um bom para ser escrito e discutido, hoje, só ocupa uma ou duas colunas de um jornal, uma revista ou site. Até mesmo nas escolas as matérias são reduzidas... onde estão os questionamentos e reflexões acerca do mundo e do ser humano nas aulas de sociologia, filosofia e história?


O que importa não é pensar, nem olhar para o que está acontecendo no mundo, mas sim o “eu”, a felicidade instantânea proporcionada pelo consumismo e o esquecimentos dos problemas pelas distrações das mídias. Esses são alguns dos pontos criticados por Bradbury em seu livro, principalmente, no papel da esposa de Montag e de suas amigas que aparecem certo dia em sua casa. Mildred não trabalhava e não fazia quase nada em casa, a não ser passar o dia todo em frente das grandes telas que cobriam quase todas as paredes do salão de sua casa, e ouvir o que era dito nas radioconchas (semelhantes aos nossos fones de ouvido portáteis), impedindo-se de se sentir infeliz ou ociosa através das incontáveis pílulas que tomava antes de dormir, como muitas outras pessoas também faziam.

“— Não fique nervoso, estou tentando pensar. — Ela começou a emitir um estranho risinho que foi aumentando e aumentando. — Engraçado. Que engraçado quando uma pessoa não se lembra de onde nem quando conheceu a esposa ou o marido.”

Mas este é só o começo, além disso muitos outras questões são abordadas no livro e somos levados a acompanhar Montag em sua corrida para descobrir como havia sido o mundo em um passado não muito distante, e o que de fato aconteceu para as coisas chegarem no ponto em que estavam. Tudo voltando à mesma estaca de que é o próprio homem que pode se autodestruir com as suas escolhas, muitas vezes, egoístas e precipitadas, sem pensar nas consequências de suas ações.

“— O que há de tão encantador no fogo? Seja qual for a nossa idade, o que nos atrai nele? — Beatty soprou a chama e a acendeu novamente. — É o moto-perpétuo; a coisa que o homem queria inventar mas nunca conseguiu. Ou o movimento quase perpétuo. Se a gente o deixasse queimando, ele superaria a duração de nossa vida. O que é o fogo? É um mistério. Os cientistas nos oferecem jargões pomposos sobre fricção e moléculas. Mas realmente não sabem. Sua verdadeira beleza é que ele destrói a responsabilidade e as consequências. Se um problema se torna um estorvo pesado demais, para a fornalha com ele.”

Essa é, com toda a certeza, uma grande obra que se tornou indispensável nos dias atuais. A única coisa de que gostaria no momento seria uma continuação para essa história incrível, pois alguns aspectos ainda foram deixados em aberto, e eu desejaria saber um pouco mais de certos personagens que de uma hora para a outra simplesmente desapareceram do livro. Porém, algumas explicações dada pelo autor no fim da edição e toda a reflexão contida nela, acabaram por compensar tudo isso.

Há muito mais que eu gostaria de falar e muitas citações que gostaria de mostrar, porém no final das contas acabaria por colar o livro inteiro aqui. Simplesmente o leiam! Apesar de ser um pouco demorado no início, a leitura vale a pena e o número de páginas ajuda nesse quesito por passar apenas um pouco das duzentas! Super recomendo ele a todos os leitores, sejam eles novos ou velhos!

“— Me deixe em paz — disse Mildred. — Eu não fiz nada.
— Deixar você em paz! Tudo bem, mas como eu posso ficar em paz? Não precisamos que nos deixem em paz. Precisamos realmente ser incomodados de vez em quando. Quanto tempo faz que você não é realmente incomodada? Por alguma coisa importante, por alguma coisa real?”

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13 comentários

  1. Tudo que tem alguma relação com a Segunda Guerra me anima muito a conhecer. Ainda mais se tratando de toda esta opressão acontecida nesta época.
    Não me recordo de ter visto ou lido algo a respeito deste livro,mas já ouvi e muita coisa boa sobre o autor e seu jeito único de ir a fundo no que se propõe a escrever.
    Gostei muito do que li acima, pois não é apenas a vida de uma pessoa, é tudo que a envolve e esse questionar(ainda mais vindo da maneira que veio) nos leva também aos questionamentos.
    Vai para a lista de desejados com certeza.
    Beijo

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  2. Olá Sophia!
    nunca tinha visto esse livro, msm eu lendo pouco livros do gênero achei interessante, o enredo parece trazer uma historia e tanto, vou add nos desejados.
    bjs!

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  3. Olá Sophia!
    Muito boa a tua resenha,me fez recordar coisas a respeito desse livro que havia esquecido. Lembro na época em que li não me apaixonei por nenhum personagem, senti uma agonia na verdade. O enredo é bom ao mesmo tempo assustador .E para nossa tristeza acho muito atual , mas isso é outra história. Eu acredito que esse livro se tivesse mais paixão e carisma nos personagens seria uma obra prima, parece um livro frio ,sem sentimento, para mim as melhores passagens são as citações literárias, essas sim emocionam à todo amante dos livros. E só isso.

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  4. Bem interessante esse livro, eu gosto de livro q nos trazem uma boa reflexão,e de época então me encantam,o único q li mais ou menos dessa época foi A menina que roubava livros e ameii, obrigado pela dica vou add na minha lista !!!

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  5. Oi Sophia,
    Se me dissessem que foi escrito no ano atual eu acreditaria, porque as críticas que o autor faz são bem atuais. A questão dos livros, chega a ser maldoso, mas também real, não vejo as pessoas valorizando a leitura como antes, chegam até a questionar do porque gostar tanto de ler (?), meio absurdo..
    Confesso que não é um livro que tenho tanta vontade de ler, percebi como ele é trabalhado lentamente, apesar disso, o enredo é muito bom!
    Beijos

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  6. Olá! Muito interessante saber que um livro escrito há tanto tempo, ainda remete ao nosso dia-a-dia atual. Gosto muito desse tipo de leitura que nos faz questionar nossas escolhas. Não consigo imaginar um mundo, onde se queimem livros (eita pecado), mas entendo que essa só foi uma metáfora do que estava e vem acontecendo no nosso mundo, onde cada vez mais as pessoas deixam de buscar informações e questionar os absurdos que acontecem (todo o caos do mundo e a famosa Progressão Continuada) são exemplos práticos disso.

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  7. Oi, Sophia!
    Um mundo onde é proibido ler livros?! Que cenário mais sombrio e tenebroso!...

    Confesso que livros ao estilo de Fahrenheit 451 - cenário distopico, cheios de críticas contra a sociedade, que faz o leitor pensar e repensar... - não faz o meu estilo de leitura, mas se eu tiver a oportunidade de o ler arriscarei a leitura sim, sempre é bom de vez em quando sair da nossa zona de conforto, não é verdade?!
    Fiquei curiosa para conhecer mais sobre a menina Clarisse, lendo os seus comentários esse foi o personagem que mais achei interessante em Fahrenheit 451...
    Mas enfim, valeu pela dica. Abraços!

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  8. Oiee!
    Confesso que o livro não me agradou, o fato de ter um começo lento e só depois as coisas começarem a melhorar já me desanimou. O tema e enredo também não é algo que eu curta.
    Deixo passar.
    Bjs!

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  9. Sophia!
    A obra é atemporal e tem uma grande crítica ao momento político da época que pode ser transportado para os dias atuais, bem como todo 'egoísmo', tornando as pessoas mais consumistas e pensando apenas no agora, no momento e em sua felicidade.
    Pena ser um tanto monótono no início.
    cheirinhos
    Rudy

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  10. Esse livro sempre chamou minha atenção pelo conteúdo que ele apresenta, e distopia é um dos meus gêneros favoritos. Sempre tem muitas coisas que podemos relacionar com o mundo atual nas distopias, isso é bem doido e um pouco triste. As vezes sinto até medo de realmente estarmos caminhando para viver em uma distopia haha.

    Quero muito ler ele, pra ontem, faz anos que vejo pessoas falando dele e sempre fico na vontade e não leio. Faço muito isso com vários livros kkk. A cena que tu disse da idosa queimada viva já embrulhou meu estômago apenas em pensar, nem imagino como eu reagiria lendo a própria cena. Me interessei bastante por ele, se todos lessem distopias talvez tirassem ensinamentos bem sérios a respeito da sociedade em que vivemos.

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  11. Oi mana, eu não tive interesse pela leitura, não faz meu estilo de livro e por isso vou dispensar a leitura, mas que bom que você fez proveito dessa leitura e que venham mais leituras assim.

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  12. Eu só consigo imaginar o episódio da mulher sendo queimada junto aos livros sendo narrado. Acredito que o sofrimento já seguiria a partir disso. Visto que o sofrimento se inicia com os livros sendo queimado. E quem deveria ser queimado mesmo, não foi. Se é que entende k trocadilho haha.

    Não tem coisa melhor que uma obra, mesmo que antiga, tenha semelhança com a sociedade atual, nao em questão de comportamento, mas em questão de saber como deveríamos nos posicionar.

    Podemos pegar como uma leitura para nos ajudar a seguir, não o que devemos, mas uma ajuda para o que faremos. Ou até mesmo um alerta para mostrar aos que não estão tão atentos, abrir os olhos e começarem a pensar... E a falta de sensibilidade é uma das coisas que mais me choca.

    Eu tinha muita vontade de ler este livro pelas críticas sociais que ele apresenta! Por eu me interessar bastante por estes assuntos.

    Assim como já disse, deveria ser uma obra que está presente no currículo escolar, apesar de ser bem conhecido, não é tão falado quanto os outros.

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  13. Sempre havia visto esse livro e ele me despertava uma curiosidade muito grande.
    Não sabia que ele havia sido escrito em 1953, achei que era um pouco mais atual.
    Uma pena ele ter um tom monótomo, mas mesmo assim quero poder fazer a leitura.

    beijinhos
    She is a Bookaholic

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