Resenha - Não Conte Para a Mamãe

10 agosto 2017
Título: Não Conte Para a Mamãe
Autor: Toni Maguire
Editora: Bertrand Brasil
Páginas: 308
Onde comprar: Amazon / Saraiva 

A frase que dá título ao livro de Toni Maguire, Não conte para a mamãe, poderia ser uma pacto ingênuo entre dois irmãos ou uma brincadeira entre crianças. Infelizmente, não é o caso. Na verdade, é a ameaça sofrida pela autora durante os quase dez anos em que foi violentada pelo próprio pai. Quando aconteceu pela primeira vez, a pequena e inocente Antoniette tinha apenas seis anos. Apesar da tenra idade, tudo ficou gravado em sua memória, o tempo nada dissipou: os detalhes, os sentimentos, a dor. Foi a primeira de muitas, incontáveis vezes. Não conte para a mamãe, de Toni Maguire, desvela a comovente história de um infância idílica que mascarava uma terrível verdade.







 Ao visitar a mãe que não via há anos e que agonizava em seus últimos dias de vida, Toni vê a garotinha, que há muito tempo estava adormecisa nas memórias de um doloroso passado, voltar à tona em sua mente. Ela então regressa para o tempo em que era a menina Antoinette, uma criança feliz na Inglaterra, sonhando sobre como seria magnífica a aventura de ir morar na Irlanda do Norte, em uma casa perto dos parentes de seu pai.

"Tinha obrigado a Antoinette, a criança assustada, a desaparecer e ela levara consigo as minhas recordações."

Outrora eram apenas sua vó materna, sua mãe e seu pai. Após a longa viagem de navio para chegar à Irlanda, Antoinette pode conhecer a grande família paterna, que agora a rodeava de afeto e carinho. Tinha avós, primos e tios por todas as direções da casa, sempre com alguém que lhe afagava o cabelo ou lhe preparava mimos e refeições.

Fora acostumada por sua mãe, uma inglesa classe média, a educação e requinte inglês. Todos ali naquela região da Irlanda, onde morava a família de seu pai, eram humildes, contranstando com a vida que levava na Inglaterra. Só isso já era o bastante para que Antoinette se visse deslocada naquele novo ambiente, mas teve também que mudar-se para o campo, largando a escola em que de estivera desde sua chega àquele país, lugar onde encontrara amigas e professores atenciosos.

Passaram, ela e seus pais, a morar em uma velha residência rural, longe da cidade e a seis quilômetros da escola mais próxima. Caminho esse que percorria todos os dias para ter aulas, seguidas de intervalos solitários, quando as outras crianças não queriam estar perto dela por sua aparência desleixada. Tão diferente de como se parecia quando ainda não morava alí, na época em que possuía laços no cabelo e roupas perfeitamente engomadas.

Antoinette sabia quando havia sido deixada de lado, tornando-se uma criança sem cuidados maternos, pois fora no dia em que contara para sua mãe o beijo que seu pai lhe deu. Ela sentia que aquilo que ele houvera feito tinha sido errado, por isso resolvera contar a sua mãe, a quem acreditava amá-la mais que qualquer outra pessoa no mundo.

"- Não digas nada à mamã - advertiu ele, dando-me um leve abanão. - É o nosso segredo, Antoinette, estás a ouvir?"

Mas disse. Sentia-me segura do amor da minha mãe. Amava-a e sabia que ela me amava. Ela haveria de mandá-lo parar. Mas não mandou.

Depois do dia em que resolvera se abrir com a mãe, tudo passou a ir de mal a pior. Ela sentia que toda a proximidade que um dia tiveram havia sumido, sem um motivo que explicasse o porquê. Seu pai por vezes aparecia em casa após o trabalho como o homem bom, que dava presentes para a mulher e a filha. Em outras oportunidades, aquelas que faziam Antoinette temé-lo, ele surgia furioso, sem qualquer motivo aparente. E por todas às vezes em que estava assim, sua raiva parecia direcionada exclusivamente a pequena menina de sete anos, como se ela fizesse algo errado sem que pudesse perceber o quê. Mas eram às vezes em que o homem bom aparecia que a assustava. Eram os passeios de carro aos fins de semana que ela temia.

"Sempre que ele pegava na chave do carro e anunciava que era hora da surpresa,eu implorava silenciosamente à minha mãe que recusasse, que lhe dissesse queprecisava de mim para ir fazer algum recado, para recolher os ovos, tirar as rãsda água do poço ou trazer para casa a água para lavar roupa dos barris da chuva,mas ela nunca o fez."


Acima do sofrimento daquela jovem garotinha, o que parecia mais importante era manter as aparências para quem não estava a par da situação. Para todos os casos, eles eram uma família, com uma esposa dedicada e feliz e uma linda filha de um casal de pais atenciosos. Eles vestiam aqueles personagens sempre que se fazia necessário: em jantares de família ou quando algum conhecido surgia. Nesses breves momentos todos vestiam seus sorrisos e eram felizes.

"Os risos à mesa tornaram-se no som dos adultos a conspirar e a minha infância, ainda não completamente terminada, encontrava-se suspensa por escassos e débeis fios."



[-Minhas impressões-]

Essa é uma leitura que precisa de muito preparo emocional para se dar início. Trata-se do relato sobre o abuso sofrido pela autora durante muitos anos de sua infância.

Foi uma das obras em que precisei me desligar de minhas emoções, para que não viesse a sofrer tanto quando a menina Antoinette, que volta ao presente quando já adulta para nos contar a verdade sobre tudo o que ela passou ao lado de um pai abusivo e de uma mãe negligente.

A forma como aqui é apresentada essa menina doce, que gosta de proteger os animais, apegada ao amor de sua mãe e que quer tão fortemente ter um pai para protegê-la, trás ainda mais impacto aos momentos em que podemos saber como aconteceu os atos horríveis que partem de seu pai. O leitor apega-se a essa figura ingênua, que passa por tantas mudanças durante a infância, para ter a mesma vida destruída por quem lhe devia amor incondicional e proteção.

É revoltante imaginar que a história escrita aqui não é criação de uma mente fértil, e sim uma realidade vivida por tantas outras crianças no mundo afora. Sua mãe, que passa a cegar-se pelo amor ao marido, deixando a filha de lado e lhe negando o carinho merecido, nos proporciona um terrível sentimento de indignação. Aliado a solidão em que eles dão a Antoinette, deixando-a longe de qualquer pessoa por quem pudesse buscar ajuda, torna tudo ainda mais intenso e ruim.

Há momentos tão horríveis que queremos que alguém, seja quem for, perceba de uma vez a tristeza dessa criança. Mas aqueles que estavam em volta da menina não tinham culpa realmente de infelizmente não notar o que se passava. O casal isolou a menina tão completamente, deixando- a sem amigos e família, e ainda pior: sem voz.

Alguns podem vir a questionar o porquê de ela ter sofrido em silêncio por tanto tempo, podendo denunciar o que lhe acontecia a qualquer momento. Mas aqui nos é contado tudo, fazendo com que possamos ter o entendimento de como essa menina, como tantas outras crianças, perde suas forças e palavras ao viver algo dessa magnitude. Não nos cabe julgar ou questionar, pois é um sofrimento enorme para com uma pessoa que não possui o mesmo discernimento que um adulto, como o pai, que é o possuidor da culpa, junto com a mãe omissa.

A obra é narrada em primeira pessoa, nos dando o olhar da menina sobre a imensidão de tudo que feriu tão profundamente Antoinette. Apesar de tão tenso e duro de se ler, os capítulos fluem muito bem. As 308 páginas são capazes de nos deixar pasmos ao final. Todo o enredo é muito bem construído. Intercala entre a narração da infância e os breves momentos em que Toni deixa de relembrar o turbilhão de acontecimentos que a fizeram ser quem é hoje.

Recomendo para leitores que gostem de entender e ter uma maior noção sobre assuntos como o abuso e negligência familiar. Pois, mesmo sendo tão ruim que esta seja uma história real de alguém que foi privada de ter uma infância saudável e feliz, acredito que seja uma leitura muito necessária para compreensão de pessoas com traumas e como isso acontece. Até mesmo, talvez indetificar alguém que esteja sofrendo com isso e não consiga se expressar. Apenas tenha uma boa dose de coragem e um emocional bem preparado para embarcar nesta leitura.


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12 comentários

  1. Desde de que vi este livro pela primeira vez e li uma resenha sobre a estória, quis poder aprofundar neste assunto, acredito que por meio deste relato vamos compreendendo melhor o que se passa dentro da casa de crianças que sofrem abuso sexual, seja do pai, ou de algum ente, ou até mesmo de pessoas próximas, e ainda sim são cegamente caladas pela mãe, ou por algum parente. Enfim, de modo geral acredito que vou precisar de me preparar emocionalmente para me deparar com esta narrativa, mas como futura psicologa pretendo mudar a realidade de muitas crianças, que passam, ou que já passaram por situações parecidas. Parabéns pela resenha incrível.

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  2. Olá!
    Quando comecei a ler a resenha fiquei bastante deslocada, porque não estava entendo muito a trama mas ao ler seus pensamentos sobre ele, eu fiquei bastante impactada com a história, a trama realmente é envolvente, te faz pensa sobre tudo isso é também essas situações se passa hoje em dia, não importa quando ou onde, mas acontece mesmo que não perceba. Amei a trama do livro e com certeza irei procura para ler e prepara meu psicológico para essa leitura.

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  3. Olá Emilly!
    Confesso que não sei se teria coragem de ler esse livro. Já tinha lido resenhas dele e como sempre me emociono com histórias de abuso, não sei se teria coração para ler um livro desse, ainda mais sabendo que a autora passou de verdade por isso tudo.
    Só essa capa já me deixa triste, como se as letras do título estivessem cobrindo a boca da criança e ela não tivesse voz para falar.
    Gostei bastante da sua resenha, parabéns! Apesar de ser um tema forte e que mexe mesmo com as emoções do leitor, espero um dia conseguir dar uma chance a ele. Mas como você disse, o livro tem que ser lido com muito preparo emocional.
    Bjos

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  4. Olá!
    Já faz um tempo que quero ler esse livro e pretendo ler ainda esse ano.
    É ainda mais interessante saber que isso até aconteceu de verdade.
    Parece ser um livro bastante pesado então preciso me preparar pra isso hahahaha
    Beijos

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  5. Olá Emilly, tudo bem?
    Já conheço este livro há algum tempo, mas ainda não reuni coragem suficiente para lê-lo. Não consigo sequer imaginar o sentimento de impotência e até traição (do pai ou até da mãe)uma criança sofre ao sofrer abuso sexual.
    Concordo plenamente como a forma que vc iniciou suas impressões: é necessário muito preparo emocional (e capacidade de distanciamento) para este tipo de leitura. Só de ler os quotes já senti meu coração pesado.
    Entretanto, este testemunho é algo surpreendente forte e corajoso por parte da autora, servindo como um desabafo de algo que prejudicou intensamente sua infância e inocência.
    O tópico é polêmico e muito cruel, mas discussões acerca dele são necessárias para que tais abusos deixem de existir (seria um sonho ou algo utópico?).
    Parabéns pela resenha. Espero um dia ter a estrutura para ler, como identificação ou até para auxílio de identificar uma possível vítima.

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  6. Oi.
    Não conhecia esse livro, mas a premissa é realmente chocante e perturbadora. Uma leitura forte, triste, mas infelizmente ainda é uma realidade. O livro proporciona uma grande reflexão, mas também mexe com nossas emoções de uma forma assustadora.
    Não sei se saberia identificar um casos assim, entre pessoas de minha convivência, mas sempre é bom estar informada e saber perceber pequenos detalhes, que podem tirar uma criança desse sofrimento e resgatar sua vida.
    Mas realmente é um assunto bem difícil e para fazer a leitura, tem que estar com o psicológico bem trabalhado.
    A resenha ficou muito bem escrita, como sempre.
    Beijos.

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  7. Olá !!
    Ainda não conhecia o livro mas por meio da resenha percebi que esse livro é intenso e pesado.
    Nunca li nada do tipo e não sei qual seria minha reação ao ler este livro.
    É preciso de um emocional muito forte para esse tipo de leitura por isso eu não leria agora mas quem sabe em futuro..

    Bjo

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  8. Emily!
    O abuso infantil sempre existiu, mas parece que as pessoas 'jogavam para debaixo do tapete'.
    Agora em nossa sociedade contemporânea, as crianças estão sendo mais ouvidas, entendidas e orientadas. Não que tenha deixado de acontecer tais abusos crueis, mas está mais escancarado.
    E livros como esse da Toni, trazem cada vez mais a discussão.
    Fico imaginando também como uma mãe pode ficar ao lado de um ser tão cruel e malvado, contra a filha que está sendo abusada? Impensável!
    E fico feliz que ela tenha conseguido contar sua história em uma forma de catarse...
    Desejo uma semana de muita luz e paz!
    “Para cultivar a sabedoria, é preciso força interior. Sem crescimento interno, é difícil conquistar a autoconfiança e a coragem necessárias. Sem elas, nossa vida se complica. O impossível torna-se possível com a força de vontade.” (Dalai Lama)
    Cheirinhos
    Rudy
    TOP COMENTARISTA DE AGOSTO 3 livros, 3 ganhadores, participem.

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  9. Oi Emilly,
    Já faz um tempinho que quero ler esse livro, mas ainda me falta coragem. É uma leitura muito forte ler as memórias da autora que sofreu abuso quando criança. O que mais choca é que é uma realidade bem conhecida por tantas crianças. Esse livro dá um sentimento de impotência, de fazer nos sentir de mãos atadas, é uma leitura com uma carga emocional muito intensa, não sei se estaria preparada para ler algo assim agora. Ler as memórias de uma pessoa que sofreu o abuso do seu próprio pai, sem poder contar com a ajuda da mãe, tendo que suportar isso durante tantos anos calada é desumano demais.
    Por enquanto vou adiar essa leitura.
    Beijos

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  10. Nao acho que vou ler esse livro.
    Depois de ler a sinopse e a sua resenha tive certeza.
    Tem acho revoltante o fato desse tipo de coisas acontecer com crianças ainda nos dias de hj. E fiquei um pouco brava em saber da mãe dela que sabia o que estava acontecendo com a filha e não fazer nada.

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  11. Não tenho muito estômago para ler sore um assunto tão pesado assim e dou os parabéns por terem conseguido tal feito, porque nossa...é algo que dói e traz uma angústia real. Confesso que me senti incomodada só de ler a resenha e pelo fato da história ser narrada pela própria antoinette, mas os livros são para chocar e trazer a tona assuntos como esse, já que muitas pessoas vivem cegas e nem mesmo sabem que esse tipo de coisa acontece o tempo todo.

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  12. Olá! Confesso que preciso de um pouco mais de coragem para encarar esse livro. O enredo é forte e realmente é preciso um emocional muito bom para começar. É triste e revoltante saber que essa história acontece com mais crianças do que se possa imaginar. Por se narrado em primeira pessoa acredito que as emoções são sentidas ainda mais. Espero reunir coragem e preparar o estoque de lencinhos para embarcar neste livro.

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